IGREJA-SOCIEDADE ALTERNATIVA

A explicação do sentido desse título, está em ARQUIVO DE POSTAGENS, out. 29 de 2011

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

A Igreja necessita hoje de uma REFORMA PROTESTANTE. (p 89)

Meus comentários ao artigo estão no final do texto. Os destaques em negrito e sublinhados, fui eu quem colocou.

A igreja necessita hoje de uma reforma protestante.

Eduardo Hoonaert
Padre casado, belga, com mais de 5O anos de Brasil, historiador e teólogo, mais de 20 livros publicados.
Publicado pela Agencia de Noticias ADITAL

A igreja católica hoje tem necessidade urgente de ‘protestantes’, ou seja, de pessoas que - na linha de personalidades dos séculos XV-XVI como Hus, Wycliff, Lutero, Zwingli, Calvino, Karlstadt, Münzer, Erasmo e Morus - protestam contra a condução da igreja católica pelos seus mais altos representantes em Roma. Está na hora de se resgatar o genuíno espírito protestante, exemplarmente representado por Martinho Lutero. Teço aqui algumas considerações em torno de seu trabalho de reforma da igreja católica em seu tempo.

1. De início, Lutero pensava em aproveitar de uma viagem a Roma para alertar o papa diante dos abusos cometidos por pregadores de indulgências. Portanto, sua primeira intenção não era formar uma igreja separada de Roma, mas reformar a igreja existente. Mas ele se decepcionou. Os burocratas do Vaticano não queriam ouvir falar de eliminar ou mesmo diminuir os lucros provenientes da venda de indulgências. Lutero resolveu então passar por cima de Roma e ir direto ao cristianismo bíblico.

2. Ele se mete imediatamente a trabalhar. Ao longo de 14 anos empreende a tarefa gigantesca de traduzir a bíblia em língua alemã. Refugiado no castelo de um príncipe amigo, ele manda de vez em quando alguém à cidade a fim de anotar, na feira, palavras utilizadas por vendedores de produtos agrícolas e que, em sua opinião, são adequadas a traduzir em alemão as palavras que ele encontra em hebraico, grego ou latim nos textos bíblicos. Pois Deus tem de falar a língua do povo. A paixão de Lutero pela tradução da bíblia em língua alemã faz dele um dos principais formadores dessa língua, tal qual ainda é falada hoje. Esse árduo trabalho intelectual é a melhor resposta de Lutero aos que dizem que ele é sonhador, idealista, e que seu projeto não tem futuro. É como se ele argumentasse: ‘Eu não sonho, trabalho. Faço o que posso para mudar as coisas, por mínima que seja minha contribuição’. Eis o que ele entende por ‘viver da fé’ (o justo vive da fé). Como Abraão, o primeiro homem (pelo menos na tradição bíblica) a viver da fé, Lutero vive da convicção de que as coisas podem mudar.

3. O filósofo Ernst Bloch escreveu um livro (‘Thomas Münzer, um teólogo da revolução’, 1921) em que ele critica Lutero por não ter participado da guerra dos camponeses. Em sua opinião, foi uma lamentável omissão. Mas há uma frente de combate em que Lutero se meteu e que talvez escape à atenção do filósofo materialista: o combate em terreno religioso. Lutero combate de forma destemida uma opressão menos patente que a opressão econômica, mas que penetra mais fundo na alma humana, perpetuando-se por sucessivas gerações. É o combate contra o que o historiador Jean Delumeau chama de ‘pastoral do medo’. O clero introduz na alma do povo o medo do diabo, do inferno, da condenação eterna, do pecado, e assim conquista respeito e autoridade. Fortalecido pela leitura do evangelho, Lutero levanta-se contra essa prática perversa em seu texto ‘Do cativeiro babilônico da igreja’ (publicado no Brasil pela editora sinodal, São Leopoldo, 1982). No entender das pessoas comuns, a vida cristã consiste em assistir à missa e às novenas, rezar muito, mandar celebrar missas pelos defuntos, participar de romarias, tudo isso para salvar sua alma e as almas de entes queridos. Lutero escreve: são exatamente essas práticas, criadas e encorajadas pela igreja, que mantêm o povo num cativeiro ‘babilônico’, do qual Jesus vem nos libertar. O mesmo raciocínio está na base do opúsculo ‘Da liberdade do homem cristão’ (igualmente publicado pela editora sinodal de São Leopoldo). O homem cristão liberta-se de cultos e práticas devocionais que não levam a nada e passa corajosamente a ‘viver da fé’, ou seja, a fazer algo em benefício dos outros, aqui e agora.


4. Eis o espírito de Lutero. O que importa hoje é captá-lo e traduzi-lo em práticas adaptadas ao nosso tempo, sejam elas de cunho religioso ou não. Lutero pertence à humanidade, não pode ser privatizado por alguma igreja ou confissão religiosa. Sempre existe uma diferença entre a inspiração de um inovador e o modo como seus seguidores ou admiradores conseguem captar e viver sua mensagem. Há diferença entre Lutero e luteranismo assim como há diferença entre Calvino e calvinismo, Agostinho e agostianismo, Marx e marxismo e, principalmente, entre Cristo e cristianismo. A constatação já foi feita por Marcião, um mestre cristão particularmente lúcido do século II, que dizia que nem todos os apóstolos conseguiram captar o espírito de Jesus. Não basta conviver com alguém para captar sua inspiração profunda. É possível que pessoas fisicamente distantes de alguém particularmente iluminado captem melhor seu espírito que os que convivem com ele. É o que aconteceu com os familiares de Jesus e os vizinhos da aldeia de Nazaré: não captaram seu espírito, como testemunha o evangelho de Marcos.

5. A cena do século XVI repete-se atualmente em Roma. Os(as) que trabalham pela reforma da igreja católica são considerados(as) ‘personae non gratae’. Reina um espírito de prepotência, fechamento e mesmo cinismo, como afirmou recentemente o escritor Saramago. Todos e todas que ousam apresentar uma sugestão que não é do agrado das autoridades do Vaticano sentem isso na pele. Como nos tempos de Lutero, necessitamos atualmente de uma reforma protestante a sacudir a igreja católica pela força do espírito evangélico. Temos de protestar, fazer ouvir nossa discordância dos desmandos praticados pelo Papa e pelas autoridades do Vaticano. 

Meus comentários.

Um dos 20 livros escritos por E.Hoornaert é A MEMORIA DO POVO CRISTÃO que coloco no inicio do meu blog como um dos meus "livros fontes".


No início, Lutero quis acabar com a venda das indulgências mas os burocratas curiais não queriam perder seus lucros. Hoje a troca não é por dinheiro mas para conquistar participantes presenciais em grandes eventos,como  foi a Indulgência Plenária para os presentes na última JMJ (jornada mundial da juventude em Madri -  a próxima em 2013 será no Rio). Consta que em todos esses eventos há indulgência plenária para os presentes.Ivone Gebara,a teóloga criticou duramente o perdão e a Indulgência plenária para as mulheres que tivessem abortado mas estivessem presentes na visita papal a Madri. Aliás foi demais criticado o custo dessa viagem do Papa para a JMJ, por ter sido bancado em boa parte pelo governo com o dinheiro dos impostos e por grandes empresas que praticam grandes injustiças sociais. E no Brasil quem irá bancar a comitiva papal? Proximamente vou abordar esse tema aqui.


Hoornaert se refere à "pastoral do medo". Não só a pastoral mas o clima geral interno é de medo.Em artigo publicado pelo IHU em maio de 2011 o excelente teólogo Pablo Richard escreve: "Temos uma Igreja do medo:os leigos tem medo dos padres, os padres tem medo dos bispos, os bispos tem medo da curia romana e a curia tem medo da Teologia da Libertação".


Um dos capítulos mais tristes da história da gestão vaticana é a perseguição contra os que manifestam divergência ao que ela considera ortodoxia.São os que Hoornaert qualifica como "pessoas não aceitas" para a curia.Cita a crítica do ateu Saramago. O teólogo jesuita José Inácio Fauz  escreveu: " meio intempestivamente eu disse certa vez, que a curia romana havia feito mais ateus que Marx,Freud e Nietzsche juntos ".E não é para menos. Ele mesmo em outro artigo intitulado "A Igreja e o medo à critica" escreve:" O mais urgente é uma profunda reforma da curia romana e para isso os membros da curia deixem de ser bispos (cumprindo o Concilio de Calcedonia que dizia que ninguém devia ser consagrado bispo sem uma igreja) e desse modo deixe de ser uma plataforma que favoreça o carreirismo, a busca de honras humanas vestidas religiosamente."


Mas voltando à perseguição dos dissidentes ou inconformados, uma das ações mais frequentes é proibir de lecionar em universidades católicas perdendo o emprego, ou impedir a publicação de livros ou dificultá-la. Uma enorme lista de teólogos progressistas sofreram esses e outros vexames claramente contra os direitos humanos. Até bispos! Casos emblemáticos dessa perseguição foi primeiro com o bispo de Evreux, na França, Jackes Gaillot anos atrás, removido sem mais para uma diocese sem nenhum cristão em Parmenia na desértica Etiópia. Outro semelhante, recentemente, com o bispo Bill Morris de Toowomba, na Austrália. O papa o exonerou de sua diocese só porque em uma carta pastoral ele se mostrou aberto à ordenação de mulheres e de homens casados.Dois relatórios de peritos independentes sobre esse caso,concluem que o papa violou o direito canônico da igreja católica e agiu contra a própria justiça natural.Esse é um dos desmandos praticados pelo papa a que se refere Hoornaert.Outro foi a beatificação do seu antecessor João Paulo II.Foi criticadíssima e com o peso de um dos maiores teólogos atuais, senão o maior, o suiço Hans Kung.A forma como foi feita provou que há critérios políticos nesses processos de canonização.


O cardeal Kasper disse há pouco numa entrevista (IHU de 14 fevereiro) que há um clima de trabalho  (na curia) que não vai bem...há um estilo maldoso...não em todos, muitos trabalham pela Igreja.


Pelos títulos de alguns artigos e reportagens só deste ano  de 2012, publicados  pelo excelente site do IHU Online você pode avaliar a confusão reinante:
O Vaticano das lavadeiras.
Uma fé enfraquecida no palácio das intrigas.
Intrigas sagradas.
Os lobos ao redor do papa.
Vaticano investiga complô contra o papa.
Áustria:apreensão do Vaticano diante da rebelião dos párocos.
Apoio na França aos párocos austríacos desobedientes.
O papa teme um cisma progressista na Igreja.


O tal cisma a que se refere o último título é de 400 padres austríacos que publicaram um manifesto "apelo à desobediência", liderados pelo padre Helmut Schüller, rotulado por isso, como " o Lutero austríaco". A Irlanda também apoiou esses indignados, fala-se em 600 padres. Ramificações na Alemanha, França, Eslováquia, com simpatizantes na América latina, EEUU. e Austrália.
Dei até aqui, uma rápida  panorâmica do que está acontecendo na  cúpula da Igreja.Muito mais você pode encontrar no site da IHU online.


Coloquei esses complementos ao artigo do Hoornaert para reforçar a sua tese de que, de fato, urge uma reforma "a la Lutero" na cúpula da Igreja  Católica Apostólica Romana.