IGREJA-SOCIEDADE ALTERNATIVA

A explicação do sentido desse título, está em ARQUIVO DE POSTAGENS, out. 29 de 2011

terça-feira, 24 de abril de 2012

Vida em comunidade,essência da fé cristã (p 92).

Vai fazer um mês que no final  do ultimo post,   deixei-@ no aguardo do tal “gesto inicial básico” para a volta do cristianismo, ao seguimento do Evangelho ou melhor diria, para uma transformação radical  da Igreja.  Teólogos tem abordado isso: Hans Kung, José Comblin, Juan Carlos Tamayo, José Maria Castillo, Jon Sobrino,J.I.G.Fauz, Henri Boulad e muitos outros, cada um com um grau maior ou menor de radicalidade. O Boulad escreveu uma carta a Bento XVI com o título: A Igreja no abismo: a Igreja precisa de uma tríplice reforma:Teológico-catequética, Espiritual e Pastoral. Outros insistem que tem que  começar pela reforma da Curia Romana ou sugerem diferentes  medidas renovadoras.
Mesmo sem títulos acadêmicos vistosos  como os dos citados, preciso dar minha opinião.   Resumo em 3 palavras:reacender o espírito comunitário. Quem leu a maioria dos meus posts desde o começo, percebeu como insisto nisso. E o faço principalmente porque o biblista Gerhard Lohfink através do seu livro que na ultima edição tem o novo título de  A IGREJA QUE JESUS QUERIA (Editora Acadêmica Cristã; antes era das edições Paulinas com o título, “Como Jesus Queria as Comunidades”), me convenceu. Por isso, para explicar melhor todo o alcance dessas 3 palavras , vou me valer de páginas desse livro.
A ÉTICA DO EVANGELHO EXIGE VIDA COMUNITÁRIA.
Você já não ficou perplexo,   talvez até angustiado,  quando refletiu sobre algumas  das prescrições contidas no sermão da montanha ? (Mt 5-7 ); e se terá questionado: mas será  que é possível cumprir essas exigências de Jesus?   Veja o que o Lohfink  considera: “ Se tentarmos lançar um olhar sobre a  longa e movimentada discussão dos últimos séculos sobre o problema da viabilidade do cumprimento do sermão da montanha...não nos podemos livrar de uma impressão discrepante.De um lado a discussão, até hoje não terminada, é compreensível. As exigências de Jesus são radicais e intransigentes.E o sermão da montanha resiste a todas as tentativas de ser usado para um cristianismo barato.
De outro lado, porém, surge também a impressão de que toda discussão parte de uma base de experiência muito estreita demais. Se as exigências de Jesus podem ser cumpridas ou não,  é uma questão que não pode ser decidida pelo individuo e, muito menos ainda, numa escrivaninha. Pois a ética de Jesus não é dirigida ao indivíduo, mas ao grupo de discípulos, à nova família de Jesus, ao povo de Deus a ser constituído. Ela tem uma dimensão eminentemente social. Se o cumprimento desta ética é viável ou não, só pode ser decidido por grupos de pessoas que se colocam conscientemente sob o Evangelho do Reino de Deus e que querem ser comunidades reais de irmãos e irmãs – comunidades que formam  um espaço vital da fé onde todos se apóiam mutuamente.”  Depois de mais alguns parágrafos desdobrando o assunto,  conclui assim o capítulo: “Aliás, também Paulo pode falar do fardo do cristão.Ele escreve aos gálatas:  Carregai o peso uns dos outros e assim cumprireis a lei de Cristo (6,2). Com isto ele quer dizer:  lá,onde a comunidade cristã é comunidade de verdade, onde ela é unida, onde todos se apóiam e se ajudam, é viável cumprir a “lei de Cristo.”
Nossas  paróquias  cultivam essas características? Se parecem com esse perfil?  E os grupos de oração? De renovação carismática? Associações religiosas as mais diversas?  Exceto as ordens e congregações religiosas de padres, freis, freiras, que se aproximam bastante desse modelo, existem, sim, grupos pequenos que freqüentam capelas, que estão menos distantes desse perfil. Mas a maioria dos fieis e do clero está voltado para movimentos e grupos que não buscam o comunitário segundo o Novo Testamento, mas o culto massivo estilo pe. Marcelo e outros, os encontros da Renovação Carismática e da Canção Nova, de perfil bem diferente do citado acima.   Se você leu e refletiu o meu texto anterior,” Reforma da Igreja ou transformação da sociedade”,e os em que eu abordo a Igreja como sociedade de contraste ou alternativa,  está em melhores condições para sentir a força de alguns conceitos expressos pelo Lohfink. Acho indispensável, porém, ressaltar o conceito de Povo de Deus.  
 Para o Vaticano II, povo de Deus é o conjunto de todos os batizados que compõe a Igreja num sentido de igualdade em dignidade. Mas pela Bíblia o sentido é bem mais restrito. São as pessoas que se colocam conscientemente sob o Evangelho do Reino de Deus. Os convertidos, que entram na Nova Sociedade dos seguidores de Jesus, formando sua nova família. Não são, pois, povo de Deus, os batizados mesmo piedosos, que vão apenas às missas, novenas, procissões etc. Esses seguem a religião, não necessariamente o Evangelho.  Convertido é o Homem Novo. Comblin no seu livro Antropologia cristã, abre o Capítulo primeiro assim: “” A mensagem cristã sobre a humanidade pode apresentar-se sob o título paulino de  “Homem Novo”.Com Jesus entra na história da humanidade o HOMEM NOVO.  O Reino de Deus proclamado por Jesus é o Homem Novo.” E mais adiante.  “Para S. Paulo e para o cristianismo primitivo inteiro,o Homem Novo é uma realidade social concreta, visível e palpável: as comunidades cristãs. Revestir-se do  Homem Novo é entrar  na comunidade cristã e adotar os seus modos de viver”. Surge assim o povo de Deus verdadeiro. Não coloco toda a fundamentação bíblica desse sentido de povo de Deus por ser bem extensa; ocupa muitas páginas do livro do Lohfink.
Em alguns lugares, membros da hierarquia católica têm mostrado alguma consciência desse distanciamento com o ideal bíblico da verdadeira comunidade. A CNBB, por exemplo, publicou em 2009, um livro “ Igreja, Comunidade de Comunidades”, com boas reflexões e orientações para buscar esse ideal concretamente. Chega a afirmar que a vida em comunidade constitui a essência da fé cristã. Parece-me, porém, que o livro pouco influiu nos principais responsáveis  pela dinamização do projeto: o clero. As CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) que na sua origem buscaram se inspirar – e ainda buscam - no exemplo das primeiras comunidades cristãs com certo êxito inicial, atualmente, segundo quem mais entende de CEBs, o pe. José Marins, “ a maioria das dioceses e das paróquias, dos sacerdotes e religiosas, assim como os seminaristas, já não se interessam por elas. (Documento AS CEBs hoje -Esperança ou frustração? Fev.de 2010)  Como mostrei em textos sobre as CEBs, neste blog, organizar uma paróquia como Comunidade de comunidades  significa aceitar redução  de povo freqüentador da igreja, e portanto redução das entradas financeiras, supondo que essas pequenas comunidades tenham a devida autonomia  e não dependência da pastoral paroquial e diocesana. Isso tudo é muito complicado para a atual organização burocrática das paróquias.  O Lohfink  mostra como as comunidades primitivas dos seguidores de Cristo eram pequenas. Para o relacionamento entre os participantes chegar a ser como entre irmãos, que se apóiam e se ajudam em tudo, partilhando seus bens ,carregando o peso uns dos outros ( Gl.6,2) só pode se fazer em pequenos  grupos de até umas 50 pessoas. Karl Rahner dizia que a vocação da Igreja é de ser  “pusillus grex”, pequeno rebanho, expressão usada por Jesus. Mas será que as comunidades primitivas viveram essa utopia que hoje parece impossível de um relacionamento tão intensamente fraternal? Lohfink lembra que alguns escritores colocam em dúvida ou minimizam  um ágape (amor ) tão intenso. Não haveria falhas?  Ele responde “  Também as comunidades cristãs primitivas terão fracassado muitas vezes naquilo que Paulo exigia delas nas suas exortações.Não se trata de maneira alguma ,neste livro (do Lohfink), de pintar um quadro romântico-ideal da Igreja primitiva.Já a simples leitura da primeira epístola aos Coríntios impede de o fazer. O que é realmente perigoso não é a nossa culpa ou fracasso. O que é realmente perigoso é o fato de nem sequer estarmos mais conscientes de distanciarmos bastante daquilo que comunidade e povo de Deus, conforme o Novo Testamento, deviam ser.Consideramos a realidade das nossas grandes comunidades, anônimas, bem administradas, mas praticamente sem comunicação, normal, talvez até desejada por Deus. Não percebemos mais, quão pouco se podem realizar, neste tipo de paróquias, exigências elementares de vida comunitária, do Novo Testamento, como por exemplo: "ter a mesma estima uns pelos outros" (Rm 12,16) ; "ter igual solicitude uns com os outros" (1Cor 12,25); "edificar-se mutuamente" (1Ts 5,11); "confessar uns aos outros os pecados (Tg 5,16); "admoestar-se mutuamente" (Rm 15,14)”
“Os textos mencionados,” continua o Lohfink, “tornam claro: uma falha grave de um membro da comunidade,não é considerada, na Igreja primitiva,assunto particular que o individuo tem que resolver sozinho com Deus.Existe ,muito mais, a convicção: uma falha afeta a comunidade toda, ela prejudica a comunhão, ela é sua própria deficiência.Uma visão de pecado como esta,com certeza, pressupõe uma consciência  altamente intensiva de comunidade. Devemos considerar mais um ponto: a admoestação correta exige muito daquele que admoesta: por exemplo,a coragem de se deixar admoestar também a si mesmo;mas também o conhecimento de que, numa comunidade verdadeiramente fraterna, conflitos não podem ser reprimidos ou ocultos artificialmente, mas devem ser esclarecidos a todo custo.A coragem de admoestar outros,bem como a humildade de se deixar admoestar a si mesmo, são dos indícios mais seguros para saber, se existe comunidade verdadeira, se existe consciência  de comunidade.” Acontece isso hoje, nos grupos de Igreja que você conhece?   Se, como escreveu a CNBB no citado livro,  a vida em comunidade constitui a essência da fé cristã, como não achar que a reforma da Igreja deva começar por aí, como proponho.?!  Mas não só eu. Muitos falam e escrevem, como o saudoso e iluminado Comblin: “ ...todas as instituições de Igreja, elas devem passar pelo que tradicionalmente se chama reforma.O que é reforma na Igreja? Trata-se de volta às origens, uma vez que houve afastamento delas.”  E quais são as origens senão as comunidades primitivas !!!
Enquanto isso os bispos brasileiros estão reunidos agora na 50ª Assembléia geral da CNBB. E qual a preocupação deles?  Artigo do IHU divulga reportagem com o título: Bispos na CNBB estão assustados com queda do nº de católicos. (de 83,34% para 67,84% nos últimos 20 anos).Escreve então o repórter: “Lembrando que Bento XVI está preocupado com a perda da fé ou descristianização em todo o mundo a começar pela Europa, dom Claudio Humes (presidente da CNBB) afirmou  que “ é preciso começar pelo começo no esforço de garantir a perseverança dos católicos e a reconquista daqueles que abandonaram a Igreja.”
Oxalá  ao dizer começar pelo começo ele estivesse se referindo à volta às origens no sentido que  entendemos de reavivar o espírito comunitário inspirado no exemplo das primeiras comunidades cristãs, começo da Igreja.