No fim do post anterior escrevi que o de hoje seria para reforçar a interpretação sobre a Eucaristia apresentada pelo prof. José Lisboa no seu artigo por mim reproduzido no blog.E quem vai “confirmar o sobredito”, é o pós-doutor em ciências bíblicas pela Ecole Biblique et Archeologique de Jerusalem, autor de mais de trinta livros sobre temas bíblicos, quase todos publicados por uma editora própria, a Editora Isidoro Mazzarolo, nome do frei cujo livro “A Eucaristia como Memorial da Nova Aliança”( atualmente da editora Paulus) vai nos trazer essa” confirmação”. Nele se encontra o posicionamento do frei Isidoro sobre a Eucaristia. Você pode conhecer melhor o autor no site www.mazzarolo.pro.br
Para facilitar a compreensão deste trabalho vou seguir o seguinte esquema: começo relembrando em síntese como o prof.José Lisboa apresentou sua interpretação.Depois sintetizo o ponto de vista do frei e mostro como ambos convergem para a mesma definição trabalhando por caminhos diferentes. Só que o estudo do frei não se resume a um curto artigo como o do prof.Lisboa. Isidoro desenvolve vários aspectos que integram a própria Eucaristia; vou apresentá-los coletando ao longo do livro, trechos significativos desses aspectos, reunindo-os em blocos de conteúdos parecidos e citando-os como estão no original e em letras destacadas. E no final, um convite.
Em síntese o que escreveu o prof.José Lisboa na segunda parte do seu artigo objeto do meu ultimo post?
1º - A s palavras em hebraico da última ceia ISTO É MEU CORPO, ESTE E´ O CÁLICE DO MEU SANGUE, não significam só o corpo biológico mas a totalidade de sua pessoa de Filho de Deus encarnado.
2º - O convite a comer seu corpo e beber seu sangue, são um convite a uma plena adesão a sua pessoa, entrar em sintonia com sua pessoa e seu projeto e participar da mesma sorte.
O título do livro do frei Isidoro é: Eucaristia como Memorial da Nova Aliança. Em parte alguma do seu livro ele usa a expressão “presença real” ou “santíssimo sacramento” nem sequer para reprová-la. Pela leitura do Sumário se depreende que se trata de uma interpretação das palavras da instituição da Eucaristia, diferente da oficial católica, que é ao “pé da letra”. Sua posição está alicerçada na pesquisa da semântica das palavras e expressões bíblicas desse tópico, contextualizando-as historicamente. A contextualização é tida como indispensável pela atual ciência de interpretação da Bíblia.
José Lisboa fala da plena adesão à pessoa e ao projeto de Jesus. Isidoro fala de “nova aliança”. Serão diferentes? Quem veio estabelecer essa aliança nova, selando-a com seu sangue senão Jesus (Lc 22,20). “Este cálice é a Nova Aliança em meu sangue que será derramado em favor de vós”. “ Como significado intrínseco, o sangue era considerado a “alma” do corpo (Gn 9,4) e, assim sendo, a expressão “Este cálice é a Nova Aliança no meu sangue,” poderia ser traduzida como, “o cálice é a aliança na minha vida”, “no meu espírito”. O projeto de Jesus é a promoção do Reino de Deus e a Nova Aliança se configura como a Nova Lei cuja vivência nos situa no Reino de Deus, por nos fazer entrar em sintonia com a pessoa de Jesus.
E por que Memorial? Porque o próprio Jesus ordenou: “Fazei isto em minha memória” ( Lc 22,19) Mas a palavra anámnêsis (memorial em grego) não significa um simples olhar para o passado , lembrar-se da vida do Mestre ...”o memorial de Jesus” se abre para o futuro, comprometendo a transformação do presente, muito mais que debruçar-se sobre o passado.”
ELEMENTOS QUE INTEGRAM A EUCARISTIA COMO MEMORIAL DA NOVA ALIANÇA.
NUMA REFEIÇÃO.
O memorial se deu no “romper do pão”, isto é, numa refeição. “Jesus ensina através da comida e da bebida a nova pedagogia do Reino: a partilha da vida. “ “ ...é no comer e beber ou seja na “fração do pão” que elas (primeiras comunidades) manifestam uma nova forma de vida”. Você terá lido na 1ª parte do artigo do José Lisboa, como ele afirma que a Eucaristia é antes de tudo uma refeição; e o comentário que eu fiz sobre o livro do Crossan, em que ele define o nascimento do cristianismo assim: “teve uma única mãe: a refeição”.
ADESÃO CONSCIENTE AO EVANGELHO. SEGUIMENTO.
Mas para participar sem falsidade dessa refeição requer que ele ou ela tenham aderido à pessoa e ao projeto de Jesus, isto é, sejam “convertidos”, conscientes de sua atitude. “ O pré-requisito fundamental para o começo do Memorial é a conversão; depois vem a justiça social que é a continuidade da caminhada integradora e descobridora do Cristo nas trilhas desta vida.” O autor aprofunda isso com um inteiro capítulo cujo título é: O memorial de Jesus e a metanóia (conversão em grego).” O oportunismo de muitos participantes de assembléias faz desta sua participação um ato de contradição.Na verdade eles entesouram fortunas de iniqüidade (Tg 5,1-5) e a presença farisaica no culto não os leva a uma conversão eficaz. O rito assume um valor secundário na dimensão do memorial porque, o que se pode celebrar, se a vida é a antítese do sacrifício de Cristo?”
VIDA COMUNITÁRIA PARTILHA.
Outro pré-requisito essencial: a vida comunitária. “A liturgia eucarística é o segundo momento ,porque nela celebra-se o primeiro momento, a vida da comunidade”(J.Ernst) “ Para os primeiros cristãos uma coisa parece ser clara: não havia comunidade sem fração do pão e não havia fração do pão se não houvesse comunhão de vida sustentada nesse compromisso de fazer aquilo que Jesus lhes havia dito,pois ali encontravam a comunhão entre si e a comunhão no corpo e no sangue de Cristo”. “ A fração do pão compromete os cristãos à vida comunitária com suas tensões e crises decorrentes”. “Eles (primeiros cristãos) vendem as propriedades e colocam em comum tudo que recebem para suprir as necessidades que se apresentam.Este processo de partilha radical torna-se o sinal verde da possibilidade de comungar na refeição eucarística.” “ A comunhão da Eucaristia prolonga-se no antes e depois:antes quando já há comunhão,pois a ceia é celebração daquilo que já existe; no depois a comunhão eucarística torna-se um impulso para continuar partilhando e comunicando.” “ O significado deste romper o pão, no contexto do memorial de Jesus com o pobre, é romper ou partilhar tudo aquilo que é dom de Deus e recebemos de graça.Partilhar a verdade,a dignidade, e o direito é abrir as portas para o verdadeiro significado da Eucaristia.” “ Na ceia eucarística o pivô central é o partir do pão que se torna um momento de reflexão e retomada da vida comunitária”.” ...ele (Jesus) inova o costume judaico com uma ruptura a mais: na ceia judaica cada membro tinha a sua taça; nesta ceia de Jesus eles repartem/condividem a mesma taça em sinal de comunhão. Jesus deixa claro (Lc 22,1s) que o fundamento da Eucaristia é a vida comunitária”. “ O eixo central das primeiras comunidades, o qual se externava nas celebrações eucarísticas,era a fraternidade....A ceia do Senhor é a expressão dessa vida vivida em comunhão; sem ela a Ceia será um sinal da hipocrisia e da falsidade”.” A experiência da fé cristã, na seqüela Christi (seguimento de Cristo), precisa, a exemplo das primeiras comunidades ( At 2,42-47;4,32-35), constituir koinonia (comunhão), o que em outras palavras pode ser desdobrado em “ter com”, “ ter em comum”. Isso seria constituir comunidades de fé e de bens”. Neste blog tem um texto recente sobre” Vida em comunidade, essência da fé cristã”.
JUSTIÇA . COMPROMISSO. PRAXIS.
O autor dedica um capítulo inteiro também às relações entre “ O romper do pão e a dimensão da justiça.”“A justiça na vida quotidiana antecipa-se à Ceia do Senhor como celebração comunitária.É mister preceder a celebração com as atitudes.Por isso todos os elementos que participam da vida participam da celebração (Mt 5,23-24).” ”O romper do pão está indelevelmente ligado à dimensão da justiça.Sem esta, não há ceia por não haver fraternidade. Assim o verdadeiro memorial da Libertação, na teologia profética, está fortemente engajado com a prática e o acontecer da justiça. Na verdade, a justiça é a melodia de fundo de toda a teologia da Aliança.” Talvez seja mesmo ao redor da mesa que a dialética entre a “mesa do mundo” e o memorial de Jesus se torna mais visível e chocante.Se o pobre existe é porque “ a mesa do mundo” externa sua concretude a existência de injustiças. O memorial de Jesus é precisamente uma ruptura com este esquema de produção e manutenção da miséria como forma de escravidão programada. A mesa é o lugar por excelência da libertação desta escravidão porque ela é o lugar privilegiado da participação” “Jesus utiliza a mesa como forma de propor concretamente outra alternativa ao jogo do mundo: a fraternidade, a solidariedade e a comunhão.” “A Eucaristia é a última lição à mesa.Nesta lição precisamos entrever todas as outras lições (também aquelas fora da mesa)...Paulo (1Cor 11) trabalha rigorosamente a relação entre a mesa do mundo e Ceia do senhor.” “ O memorial de Jesus só existirá enquanto atingir a práxis e não há memorial sem esta”.” O Memorial da Tradição do AT depara-se no NT , não tanto com as novas formas de observância da lei mas com o objeto de uma práxis: uma vida devotada em favor do outro, ou seja, uma práxis que se sustenta num outro conceito relacional com a fé (Deus) e com o mundo. Mateus põe palavras severas na boca de Jesus no discurso do juízo final. Em verdade vos digo, cada vez que fizestes isto a um destes meus pequeninos foi a mim que o fizestes (Mt 25,31-46)” “O romper do pão,como fato cristocêntrico e eclesiológico assume a dimensão de um repartir integralmente o pão...Mas o gesto cúltico só será símbolo verdadeiro se a praxis for o memorial de Jesus Cristo (At.4,32-35)”
ABRANGENCIA DO MEMORIAL.
Não se restringe a celebrar/rememorar, apenas o gesto da última ceia. “Fazei isto em minha memória”, subentende toda a história de Jesus com os seus e com o povo. Este imperativo recapitula a missão”. “Faz-se necessário olhar e compreender o imperativo de Jesus – Isto fazei em minha memória – com um olhar amplo no qual possam transparecer todos os momentos da vida de Jesus, obviamente resumidos e concentrados no relato da ceia.” “ Na ceia de Jesus em Lc 22,14-20, o que aparece explicitamente é a “fração do pão” , mas o que nela está contido começa com a Encarnação na qual Ele inicia a partilha de toda a sua vida e expressa toda a embaixada do Filho no mundo.” “ A abrangência do memorial da Nova Aliança pode ser percebida ao longo de toda a vida de Jesus.Todas as barreiras devem ser supressas quando a vida estiver em necessidade (Lc 10,25-37).”
Concluímos então: A eucaristia como Memorial da Nova Aliança só acontecerá se estiverem presentes os elementos acima, resumidos abaixo:
Na ceia eucarística o pivô central é o partir do pão.
O pré-requisto fundamental para o Memorial é a conversão.
Não há fração do pão se não houver comunhão de vida.
O fundamento da Eucaristia é a vida comunitária.
O memorial de Jesus só existirá enquanto atingir a praxis e não há memorial sem esta.
O romper do pão está indelevelmente ligado à dimensão da justiça.Sem esta não há ceia.
A abrangencia do Memorial da Nova Aliança, engloba toda a vida de Jesus.
Em outras palavras:
Os seguidores de Jesus celebram a Eucaristia como Memorial da Nova Aliança, quando reunidos em comunhão de vida, numa refeição partilhada, confortados com a presença do Mestre – onde dois ou mais se reunirem em meu nome, Eu estarei no meio deles - reafirmam sua adesão ao seu projeto de construção de uma autêntica fraternidade, cuja práxis será lutar contra as injustiças que atingem principalmente os mais pobres.
SUGESTÃO.
Se você concorda que é isto que Jesus pediu e quer, está convidad@ a reunir duas ou três pessoas (ou mais) que, após lerem isto e também concordarem, com humildade e simplicidade de coração, busquem, apesar dos muitos tropeços iniciais, fazer uma experiência de celebrar assim a Eucaristia, em local não religioso.
Se você concorda que é isto que Jesus pediu e quer, está convidad@ a reunir duas ou três pessoas (ou mais) que, após lerem isto e também concordarem, com humildade e simplicidade de coração, busquem, apesar dos muitos tropeços iniciais, fazer uma experiência de celebrar assim a Eucaristia, em local não religioso.