IGREJA-SOCIEDADE ALTERNATIVA

A explicação do sentido desse título, está em ARQUIVO DE POSTAGENS, out. 29 de 2011

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Conseguirá Bergoglio fazer as requeridas reformas? (p 113)


Um dos melhores comentários, a meu ver, sobre o novo papa e a situação da Igreja que está encontrando.

“Bergoglio tem sensibilidade em relação aos pobres, mas não foi um Romero”, afirma Jon Sobrino

"Talvez a maior virtude e a maior força para levar adiante seu atual ministério papal é que Bergoglio é um homem aberto ao diálogo com os marginalizados, a partir da dor. Acompanhou decididamente os processos eclesiais nas margens da Igreja católica, e os processos que ocorrem na margem da legalidade. Dois exemplos emblemáticos são o Vicariato de padres da favela, dos bairros marginais, e o seu apoio aos padres que perambulavam sem um ministério digno", afirma Jon Sobrino.

Jon Sobrino  (Barcelona, 1938) é o quixote dos deserdados, um teólogo que retira da vida o papel da regalia para apresentá-la nua. Contudo, falar como Sobrino faz isso, com a espiritualidade de seu anti-imperialismo, irrita a muitos, sobretudo os inquisidores romanos. Num discurso tremendamente lúcido, mas politicamente incorreto, investe contra o espetáculo da eleição do novo Papa, “era chocante o emprego da suntuosidade, distanciada da simplicidade de Jesus”, disse. E, sem pelos na língua, assegura que “Bergoglio, superior dos jesuítas da Argentina nos anos de maior repressão do genocídio cívico militar, teve um distanciamento da Igreja Popular, comprometida com os pobres. Não foi um Romero”, sublinha Sobrino.

A entrevista é de
 Concha Lago, publicada no jornal espanhol Deia, 16-03-2013. A tradução é do Cepat divulgada pelo IHU.

Eis a entrevista.

Você se referiu à eleição como “folclore midiático”.

A
 Praça de São Pedro estava abarrotada de gente de todas as raças e cores, com bandeiras variadas, com rostos expectantes e sorridentes. A fachada do Templo estava adornada com calculado esmero. Também eram vistas pessoas usando capas e enfeitadas como não se vê nas ruas da vida real, em camponeses e senhoras do mercado. Imperava o folclore – em inglês, costumes populares -, mesmo que, na Praça de São Pedro, os costumes fossem mais sofisticados e esmerados do que aqueles dos povos da terrinha espanhola e dos becos de El Salvador, onde eu me encontro.

Isso é ruim?

Não, nada disto foi ruim, mas não dizia nada de importante sobre quem iria ser o novo
 Papa, a respeito das alegrias e problemas quer teria e com que cruz iria carregar... Sim, era chocante o emprego da suntuosidade, distanciada da simplicidade de Jesus. E se enxergava certa arrogância nos organizadores, como se estivessem dizendo “tudo está se saindo bem”. Quando esta expressa perfeição, além de poderio, costuma se chamar “pastoral da apoteose”.

Entretanto, nem tudo foi folclórico.

Não. Algo não foi folclórico e desde o primeiro dia. Falo da vestimenta simples do
 Papa, da pequena cruz sobre seu peito, que não contava com ouro, nem prata e nem brilhantes, a oração que, inclinando-se, pediu ao povo antes de abençoá-los. São sinais pequenos, mas claros. Tomara que cresçam como grandes sinais, que acompanham a sua missão. Ficou clara a simplicidade e a humildade.

A eleição de Bergoglio foi uma surpresa total.

Sim, para os não iniciados foi uma surpresa e uma grande novidade. O
 Papa é argentino, o primeiro pontífice desse país. E é jesuíta, o primeiro Papa dessa ordem. As duas coisas podem ser trivializadas, como ocorreu em alguns meios de comunicação. Por isso, é preciso entender bem. Messi é argentino, mas nem todos os argentinos são estrelas. Pedro Arrupe foi jesuíta, mas – e aqui falo de coisas mais sérias – nem todos nós, os jesuítas, somos como ele. Ao folclore também pertencem titulares sem muito engenho e com preguiça mental; “argentino e jesuíta”. Eles não têm outra coisa para dizer? Além disso, os momentos folclóricos e midiáticos duram pouco. Triste é mantê-los ou continuar acrescentando detalhes não transcendentes, sem tocar no fundo da questão em relação ao Papa, a Igreja, Deus e nós. Dependerá dos amos dos meios de comunicação – e dos espectadores – que o folclórico continue sendo o mais acorrido.

Nestes dias, você conversou com gente que conhece Bergoglio de perto.

Sim, eu não sou especialista na vida, trabalho, gozos e sofrimentos de Bergoglio. E para não cair em nenhuma irresponsabilidade procurei me conectar com pessoas da Argentina, que não citarei, mas, que tiveram contato direto com ele. Espero que haja compreensão pela limitação do que vou dizer, e peço desculpas se cometo algum erro.
 Bergoglio é um jesuíta que ocupou cargos importantes na Província da Argentina. Foi professor de Teologia, superior e provincial. Não é difícil falar de suas tarefas externas. Contudo, da questão mais interna só se pode falar com delicadeza e, agora, com respeito e responsabilidade. Muitos companheiros se lembram dele como uma pessoa de profundos convencimentos e temperamento, decidido lutador e sem trégua. “Se lhe fazem Papa, limpará a Cúria”, foi dito como humor.

Destacaram sua austeridade?

Também recordam de seu interesse desmedido em comunicar aos outros suas convicções sobre a
 Companhia de Jesus, interesse que poderia se converter em possessividade, até exigir lealdade em relação a sua pessoa. Muitos recordam de sua austeridade de vida, como jesuíta, arcebispo e cardeal. Uma amostra disso é a sua moradia e sua habitual andança de ônibus. Quando já bispo, muitos de seus sacerdotes se recordam de sua proximidade e como se oferecia para suprir-lhes em seu trabalho paroquial, quando necessitavam deixar a paróquia para descansarem. A austeridade de vida era acompanhada de um real interesse pelos pobres, indigentes, sindicalistas desprezados, o que o levou a defendê-los com firmeza diante de sucessivos governos. Os temas morais têm sido próximos dele, e certamente o do aborto, o que o levou a enfrentar, diretamente, o presidente do país.

Eles se recordaram de sua opção pelos pobres?

Em tudo isso se aprecia a forma dele fazer a opção pelos pobres. Não, assim, em sair ativa e arriscadamente em sua defesa, nas épocas de repressão das criminais ditaduras militares. A cumplicidade da hierarquia eclesiástica com as ditaduras é conhecida.
 Bergoglio foi superior dos jesuítas da Argentina de 1973 até 1979, anos de maior repressão do genocídio cívico militar.

Fala-se de cumplicidade?

Não parece justo falar de cumplicidade, mas parece correto dizer que naquelas circunstâncias
 Bergoglio teve um afastamento da Igreja Popular, comprometida com os pobres. Não foi um Romero - célebre por sua defesa dos direitos humanos e assassinado no exercício de seu ministério pastoral -. Não tenho conhecimentos suficientes e falo com medo de me equivocar. Bergoglio não oferecia a imagem de dom Angelleli, bispo argentino assassinado pelos militares em 1976. Muito possivelmente sim, tocava em seu coração, mas não costumava aflorar em público a lembrança de Leonidas Proaño, domJuan Gerardi, Sergio Méndez...

No entanto, ele também possui outra marcada faceta solidária.

Sim. Por outro lado, a partir de 1998, como arcebispo de Buenos Aires, acompanhou de diferentes maneiras os setores maltratados da grande cidade, e com fatos concretos. Uma testemunha ocular conta que na missa do primeiro aniversário da tragédia de
 Cromagnon – incêndio ocorrido durante uma apresentação de rock, que custou a vida de 200 jovens -, Bergoglio se fez presente e fortemente exigiu justiça para as vítimas. Por vezes, usou uma linguagem profética. Denunciou os males que trituram a carne do povo, e colocou nome: o tráfico de pessoas, o trabalho escravo, a prostituição, o narcotráfico e muitos outros. Para alguns, talvez a maior virtude e a maior força para levar adiante seu atual ministério papal é que Bergoglio é um homem aberto ao diálogo com os marginalizados, a partir da dor. Acompanhou decididamente os processos eclesiais nas margens da Igreja católica, e os processos que ocorrem na margem da legalidade. Dois exemplos emblemáticos são o Vicariato de padres da favela, dos bairros marginais, e o seu apoio aos padres que perambulavam sem um ministério digno.

O que espera ao Papa Francisco?

 Deus sabe. O novo Papa terá pensado bem o que lhe pode esperar e o que ele deverá, poderá e almejará fazer. Agora, enumeremos algumas tarefas que nós, a partir de El Salvador, consideramos importantes e que podem ser importantes para todos na Igreja. Nós também devemos realizá-las, mas o Papa tem uma maior responsabilidade e tomara que tenha mais meios. As tarefas coincidem muito com as que José Ignacio González Faus propôs recentemente.

Qual seria a mais urgente?

A primeira – eu acredito que a maior das utopias – é tornar realidade a utopia de
 João XXIII: A Igreja é especialmente a Igreja dos Pobres. Não teve êxito na aula do Vaticano II, de modo que cerca de quarenta bispos se reuniram fora da aula [conciliar] e nas Catacumbas de Santa Domitila assinaram o manifesto que se chamou “O Pacto das Catacumbas”.

Você sempre aponta a falta de sensibilidade da Igreja.

Pelo que é dito por muitos,
 Bergoglio tem sensibilidade em relação aos pobres. Tomara que tenha lucidez para tornar real a Igreja dos pobres, e que esta deixe de ser a igreja de abundância, de burgueses e ricos. Não lhe faltarão inimigos, como não faltaram, depois de Medellín, para muitos hierarcas que se colocaram os pobres no centro da Igreja. Os inimigos estavam dentro das cúrias eclesiásticas e, muito poderosamente, no mundo do dinheiro e do poder. Estes assassinaram a milhares de cristãos e cristãs.

Impossível esquecer dom Romero, mártir latino-americano.

Tomara que o Papa
 Francisco não se amedronte diante de uma igreja perseguida e mártir, como as de dom Romero e dom Gerardi. E canonizando-os ou não, oxalá os proclame mártires, concretizando-os também como os mártires pela justiça. É o melhor que temos na Igreja. É o que a faz parecida a Jesus de Nazaré. Para isso não é essencial que canonize dom Romero, embora seja um bom sinal. E se o Papa cair em alguma fraqueza humana, que seja a de estar orgulhoso de sua pátria latino-americana, sofredora e esperançosa, mártir e sempre em transe de ressurreição. E também orgulhoso de toda uma geração de bispos: Leonidas Proaño, Helder Câmara, Aloísio Lorscheider, Samuel Ruiz... Não chegaram ao papado, a maioria deles nem a cardeais, mas nós vivemos deles.

E o que você me diz dos problemas que sacodem a Igreja e que aparecem nos meios de comunicação?

A segunda das utopias é enfrentar a conhecida constelação de problemas que esperam solução no interior da
 Igreja. Por exemplo, a muito urgente reforma da Cúria Romana. Também é necessário que os membros da Cúria sejam preferentemente leigos. Mesmo assim, é importante que Roma deixe para as igrejas locais a eleição de seus pastores. Que desapareçam do entorno papal todos os símbolos de poder e de dignidade mundana e, certamente, que o sucessor de Pedro deixe de ser chefe de Estado, pois isso envergonharia Jesus. Faz falta toda a Igreja sentir como ofensa a Deus a atual separação das igrejas cristãs. É necessário pedir ao Papa de Roma que solucione a situação dos católicos que fracassaram em seu primeiro matrimônio e encontraram estabilidade na segunda união. E, é claro, que repense o celibato ministerial.

Você também não abandona outras reivindicações já clássicas.

Sim, tenho outras três questões. Por um lado, que de uma vez por todas regularizemos a situação insustentável da mulher na
 Igreja. Também que deixemos de desvalorizar, às vezes de menosprezar, o mundo indígena, os mapuches da América do Sul e a todos aqueles que o Papa for conhecendo em suas viagens pela África, Ásia e América Latina. E, é claro, que aprendamos a amar a mãe terra.

Tudo isso com um compromisso firme, que tem muito a ver com o ocorrido nestes dias.

Sim, o compromisso deveria ser que o novo
 Papa, na sacada de São Pedro, e os dois milhões de pessoas na Praça não se tornassem um grande ator, no caso do Papa, e em meros espectadores bilheteiros, no caso dos fiéis.