IGREJA-SOCIEDADE ALTERNATIVA

A explicação do sentido desse título, está em ARQUIVO DE POSTAGENS, out. 29 de 2011

sábado, 13 de julho de 2013

Não basta a simplicidade do Papa. (p 118)

O papa Francisco que chega ao Brasil para a JMJ nos próximos dias, tem sido alvo de textos midiáticos sem conta; a maioria é otimista e elogiosa. Seria me contradizer  se pegasse carona nesse coro. O primoroso teólogo José Arregi, em entrevista divulgada pelo IHU, condiz melhor com o que penso. Divido-a em duas edições sucessivas, dada sua extensão.  

“A questão é inverter a lógica hierárquica, o modelo vertical e clerical da Igreja e de seus ministérios”, afirma o teólogo José Arregi
Não chega a acreditar [nesse momento de empolgação com o novo Papa] e pede decisões efetivas e concretas, ou, melhor ainda, a mudança total do sistema eclesiástico. O teólogo basco José Arregi acredita que não basta a simplicidade do Papa e que “falta um programa de reformas profundas”. Para Francisco, ele receita a “transparência como a melhor arma contra as tramas na Cúria” e pede que a Igreja se dedique “mais a dar de comer, do que a defender dogmas”.





A entrevista é de José Manuel Vidal, publicada no sítio Religión Digital, 16-06-2013. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.

renúncia de Bento XVI é um gesto profético, revolucionário ou forçado pelos escândalos?
E como poderemos saber, se não nos foi dito ou guardamos fundadas suspeitas de que a explicação dada (seu estado de saúde) não era a única razão e, talvez, nem sequer a razão decisiva? O Vaticano é um mundo opaco, amordaçado em sua complexidade e na confusão de seus interesses e relações de poder, assim como todas as grandes instituições, e inclusive mais. Entretanto, a Igreja deveria ser um lugar de transparência, um exemplo de simplicidade, um modelo de fé na verdade, ingênua e crítica ao mesmo tempo. Jesus disse: “Diga sim quando for sim, e diga não quando for não”, com todos os riscos. No entanto, no Vaticano não é assim, e somos obrigados a falar do que não sabemos.
Dito isso, eu diria também que sua renúncia foi mais por seu aborrecimento diante da Cúria do que pelo seu estado de saúde. Talvez, quis que o sucessor adotasse mais livremente as medidas que ele desejava, mas não podia. Seja como for, aqueles que comemoram sua renúncia, como gesto de humildade ou de coragem, indiretamente, censuram a arrogância ou a covardia de João Paulo II, que numa situação pior não renunciou.
De qualquer modo, considero que a renúncia de Bento XVI seria realmente profética se tivesse explicado as verdadeiras razões ou, mais ainda, caso tivesse dito: “No Vaticano são necessárias estas reformas e as demais. Entretanto, eu não posso realizá-las por essa razão e por essa outra. De modo que eu saio para que o sucessor as realize”.

Como é possível que uma instituição que havia atingido o fundo, em menos de um mês, renasça como a Fênix?
Temo que pareça muito cético, mas acredito que ainda está para ser visto se a instituição vaticana será capaz de renascer e, sobretudo, de voar. Não resta dúvida de que o papa Francisco, com alguns gestos e algumas palavras muito simples – e com um enorme aparato midiático, não se esqueça –, conseguiu levantar, não o voo, mas, sim, um vento de entusiasmo e esperança.
A esperança é o mais ativo e transformador, mas os ventos se acalmam ou mudam logo de direção. Também pode acontecer que o entusiasmo deixe, rapidamente, lugar para a desilusão.
A grande fragilidade desta onda de entusiasmo, que ainda continua viva, é que tudo depende de uma pessoa, de seu carisma e de seu poder pessoal absoluto. A instituição católica é uma monarquia absoluta fortemente secularizada, e enquanto não mudar o sistema monárquico ou não for desmontada sua legitimação teológica, sua reabilitação será apenas aparente ou, inclusive, pode ser contraproducente, pois pode contribuir para reforçar o caráter absolutista e personalista do sistema. Eu acredito que seria melhor que essa Fênix eclesiástica, para continuar com a imagem, não renasça. O renascimento de suas cinzas significaria continuar ancorados no Antigo Egito. O que falta é reinventar a instituição ao ar do Espírito que alenta e recria.

O que faz com que o papa Francisco tenha o apoio da opinião pública e, o que é mais difícil, do que é publicado?
Um rosto bondoso, um gesto de simplicidade natural, uma palavra improvisada e fresca... continuam sendo o que mais nos conquista e atrai. É o que mais nos ajuda a recuperar nossa fé em nós mesmos, na humanidade, no futuro mais humano e fraterno. E necessitamos tanto e tanto disto! Precisamos de figuras para enxergar nossa imagem pessoal e coletiva restaurada (para não dizer eclesial ou eclesiástica...), que está tão desfigurada. Necessitamos de espelhos que nos reflitam da maneira mais límpida, com o melhor de nosso ser. Para isto, não há melhor espelho do que a bondade de um rosto, a humildade de um gesto, a autenticidade de uma palavra... Acredito que tudo isso está contemplado no papa Francisco, e explica seu atrativo midiático.
Depois, uma vez mais, surgem as dúvidas: até que ponto é uma figura genuína e até que ponto é uma figura fabricada pelos próprios meios de comunicação? O que a imprensa cria, a imprensa destrói ou simplesmente esquece. É ainda muito cedo para se pronunciar sobre o alcance desta figura e, sobretudo, a respeito de seus projetos de reforma na Igreja.

Seus gestos serão consolidados em decisões e em reformas reais?
Pra mim é difícil falar disto e, de qualquer modo, sou muito sensível ao caráter imprevisível do futuro, mais acentuado ainda em nossos tempos de informação globalizada e de mudanças aceleradas. Ninguém havia previsto a queda do bloco soviético, nem a primavera árabe, como também não se previa a chegada de João XXIII...
Já se passaram três meses, desde sua eleição, e ainda não foi visto nenhum sinal claro no papa Francisco. Não ouvi de sua boca nenhuma mensagem realmente inovadora. O que percebemos é o seu estilo simples, a naturalidade de seu olhar e de sua palavra, sua atitude acolhedora, e isso tudo é o melhor que podemos esperar de uma pessoa, mas para um Papa não basta, falta um projeto de reformas profundas. O que ouvimos de sua boca são palavras de alento, de ternura, de solidariedade com os pobres, e isto é fantástico. Contudo, o que podemos pedir de um Papa, seja qual for?João Paulo II pronunciou discursos e escreveu encíclicas muito boas sobre a justiça, contras as desigualdades, em favor de um modelo diferente do capitalista... Ainda não encontro no papa Francisco novidade alguma, tampouco nesse campo.
O mais inovador e esperançoso na mensagem deste Papa, nesse momento, não é tanto o que disse, mas o que não disse: não falou contra o mundo atual – como faziam freqüentemente seus dois predecessores -, acusando-o de relativista, hedonista, materialista, incrédulo...
No entanto, o que mais suscita dúvidas no papa Francisco é, também, o que não disse: em três meses, não disse nada contra a ditadura neoliberal das entidades financeiras e multinacionais (pelo contrário, expressou seus pêsames pela morte de Margaret Thatcher), nem a favor da canonização de dom Romero, da igualdade da mulher na Igreja em todos os campos, da reforma moral sexual ou do Direito Canônico, no que diz respeito aos divorciados, em favor das religiosas dos Estados Unidos ou da reabilitação dos teólogos condenados...
Não disse nada sobre as reformas de fundo, que a meu modo de ver se impõem na Igreja, no mundo de hoje, para além das reformas da Cúria, por mais profundas que estas devam ser e serão. Elas não bastarão.

A reforma de fundo consistiria em reativar o congelado Vaticano II, durante os últimos 35 anos?
Nem sequer isso. Você vai dizer que sou muito maximalista. Concordo. As reformas de fundo não podem ser repentinas, mas acredito que é importante ter claro o horizonte para o qual devemos avançar. Insisto: não bastará “reativar o Vaticano II”. A primeira questão que precisa ser esclarecida é a respeito do estamos falando quando mencionamos o Vaticano II. João Paulo II e Bento XVI repetiram, uma vez e outra, que estavam aplicando o Concílio. O Catecismo da Igreja Católica está cheio de citações do Vaticano II, certamente feitas de forma muito seletiva e enviesada. 
Portanto, o problema é sobre qual a leitura que se faz do Concílio. O problema é se ficamos na mera repetição da letra do Vaticano II ou se prolongamos seu espírito. Contudo, o problema também é o próprio Concílio, pois seus documentos são sempre, como não poderia ser diferente naquele momento, formulações de compromisso entre o setor tradicionalista e o setor renovador dos padres conciliares. O problema é que o Vaticano II não formulou, em termos precisos, um novo modelo de Igreja não clerical, nem hierárquica, uma Igreja democrática, nem um novo paradigma teológico pluralista, uma nova maneira de entender os dogmas (em especial, os dogmas cristológicos)... E não disse nada sobre a mulher. E deixou intacto o poder absoluto do Papa e sua infalibilidade...
De tal maneira que a pergunta é: O que ocorre nos documentos do Vaticano II para que, cinquenta anos depois, possam ter desativado, citando o próprio Concílio e em seu nome, os sonhos provocados em muitos? Isso significa que é preciso avançar muito além do lugar em que Vaticano II chegou. Desde então, o mundo mudou muito. Não faz sentido que queiramos reativar o passado. É preciso reinventá-lo e prolongá-lo, seguindo seu impulso, seu espírito.

Continua no próximo post.


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