IGREJA-SOCIEDADE ALTERNATIVA

A explicação do sentido desse título, está em ARQUIVO DE POSTAGENS, out. 29 de 2011

domingo, 15 de julho de 2012

Equivocam-se redondamente sobre a Eucaristia. cont. (p 99)

No post anterior divulguei a 1ª parte deste artigo. Agora, a 2ª. Como adverti, esta parte esclarece o porque caem  no equívoco de adorar óstias.

"Em consonância com o que acabou de ser dito, a festa de Corpus Christi deveria ser uma oportunidade para uma profunda catequese sobre o que é, de fato, a Eucaristia. Infelizmente a crise antes mencionada levou a se pensar na Eucaristia como o sacramento da "carne” do homem histórico Jesus de Nazaré. Assim a concepção comum presente na mente de bispos, padres e fiéis é que os termos "carne”, "corpo”, "sangue” se refiram exclusivamente ao corpo biológico de Jesus. A Eucaristia seria a transformação de algumas hóstias e de um pouco de vinho num amontoado de células e moléculas do corpo físico do Jesus histórico que viveu na Palestina há dois mil anos.
Porém, quando nos voltamos para os textos bíblicos não é essa a compreensão que temos. O termo "corpo” (em hebraico "basar” e em grego "soma”) não significa apenas o aspecto biológico, mas a pessoa inteira na sua condição de corporalidade. Trata-se da pessoa na sua totalidade revelada em sua forma visível e em comunicação com os outros. Jesus, segundo Marcos (14,22-24), o mais antigo dos evangelhos, ao dizer na última ceia "éstin tò somá mon” ("isto é o meu corpo”) e "éstin tò haîmá mon” ("isto é o meu sangue”), não está se referindo apenas ao seu corpo biológico, às células do seu corpo físico, mas à totalidade da sua pessoa de Filho de Deus encarnado. E quando convida os discípulos a comerem do seu "corpo” e a beberem do seu "sangue” Jesus não está pensando num ritual antropofágico ou canibal, mas num gesto de comunhão e de adesão plena à sua pessoa.
O biblista italiano Settimio Cipriani, que estudou profundamente esta questão, afirma que as palavras de Jesus poderiam ser traduzidas da seguinte maneira: "O que estou fazendo (partindo o pão e distribuindo-o) significa a oferta da minha pessoa por vocês”. De fato, nas culturas antigas, especialmente na cultura judaica, o ato de comer e de comer juntos não tem apenas o significado biológico de ingerir substâncias para saciar a fome e manter-se vivo. Comer e comer juntos tem um significado simbólico, sacramental: significa que os comensais participam da mesma sorte, estão unidos pelo mesmo destino, estão em comunhão entre si. Assim sendo, a participação na Eucaristia, na Ceia do Senhor, é um gesto sacramental através do qual o cristão e a cristã manifestam a sua adesão total à pessoa de Jesus e se dispõem a participar da mesma sorte do Mestre. Portanto, reduzir a Eucaristia a um significado meramente biológico, a um pedaço da carne biológica de Cristo (como se tem feito em alguns casos de supostos milagres eucarísticos) é desvirtuá-la completamente do seu verdadeiro significado sacramental.
Isso pode ser confirmado pelo texto eucarístico do Evangelho de João (6,51-56). Mesmo não narrando a instituição da Eucaristia, João apresenta Jesus convidando seus ouvintes a comerem a sua carne e a beberem o seu sangue. Sabemos que na Bíblia o termo "carne” (em hebraico "basar” e em grego "sárx”) não significa apenas o elemento físico, biológico, mas a pessoa humana, na sua totalidade, existindo como ser frágil e mortal. É o ser humano total na sua condição de caducidade. Por sua vez o "sangue” (em hebraico "dam” e em grego "haîma”) não significa apenas o líquido vermelho que escorre nas veias do ser humano, mas a sua vida, o seu existir pleno. O convite de Jesus feito a seus ouvintes significa um convite a entrar em plena sintonia com a sua pessoa e o seu projeto de vida. Participar da Eucaristia é aderir ao mistério do Filho de Deus que "se fez carne” (Jo 1,14), ou seja, que abriu mão da sua condição divina para viver entre nós como "simples homem” (Fl 2,7-8). Participar da Eucaristia não é participar de um rito antropofágico, no qual se come um pedaço da carne biológica do Jesus histórico, mas comungar da sua fragilidade, da sua fraqueza, da sua encarnação. Se entendêssemos isso causaríamos uma verdadeira revolução no cristianismo e contribuiríamos para o advento de uma nova humanidade.

Por fim, a festa de Corpus Christi deveria ser um momento para se pensar numa solução definitiva para o problema daquelas milhares de comunidades cristãs espalhadas pelo mundo e que são privadas da celebração eucarística dominical, por falta de um ministro ordenado que a presida. Se a Eucaristia é o centro e o cerne da vida cristã, deixar uma comunidade sem celebração eucarística dominical é impedi-la de viver a sua verdadeira identidade. Soluções já existem como já tive oportunidade de mostrar, mas a hierarquia resiste e não quer adotá-las. Se a hierarquia não resolve, cabe às comunidades cristãs abandonadas encontrarem uma solução. E Tertuliano, um escritor cristão do final do II e início do III século, propôs uma solução muito simples. Mesmo reconhecendo que em circunstância normais cabe ao bispo e seu conselho presbiteral presidir a Eucaristia, Tertuliano afirmava: "Onde não há um colégio de ministros inseridos, tu, leigo, deves celebrar a Eucaristia e batizar; tu és, então, o teu próprio sacerdote, pois, onde dois ou três estão reunidos, aí está a Igreja, mesmo que os três sejam leigos”.
[Autor de Antropologia da formação inicial do presbítero, pela Editora Loyola].

Meus comentários.
Parece que ficou claro que  na hora da consagração na missa, na óstia e no vinho não começam  uma certa presença misteriosa de Jesus conhecida como "presença real de Jesus com corpo,sangue, e divindade". A isso chamam de Eucaristia instituida por Jesus.  Mas o que Jesus propôs e instituiu, foi outra coisa: a adesão a sua pessoa  através da refeição compartilhada em fraternidade e comunhão com Ele e com os demais crentes. Particularmente esclarecedor, me parece, o texto eucarístico citado acima, do evangelho de João. Jesus convida seus ouvintes a comerem de sua carne e beberem do seu sangue: um convite a entrarem em plena sintonia com sua pessoa.
A crença que a Igreja oficial conserva sobre a suposta presença real, se baseia numa interpretação ao pé da letra  das palavras ditas na "última ceia" fixando-se mais nas palavras e quase nada no significado do gesto e no contexto histórico-literário. A ciência bíblica  mostra hoje que é imprescindível se pesquisar a contextualização de um texto antes de querer  interpretá-lo  ao pé da letra.E você acha que teria algum sentido diante disso tudo, continuar fazendo adoração a um pedaço de pão, em procissões de Corpus Christi ou Congressos Eucarísticos até Internacionais, além de nas missas diárias?
Se entendêssemos isso, causaríamos uma verdadeira revolução no cristianismo e contribuiríamos para o advento de uma nova humanidade; essa magnífica conclusão do autor nos faz lembrar o momento de caos e fuga do Evangelho que vive hoje a Igreja católica; remédios são sugeridos diariamente em artigos e mensagens por clérigos e leigos estudados. Todos ou quase todos não tocam nas raizes dos problemas. Uma delas é essa: voltar ao sentido original e verdadeiro da Eucaristia; outra, relacionada a essa, e que o autor alude no texto de Tertuliano:o sacerdócio no cristianismo quer para homens quer para mulheres é outro equívoco, uma excrescencia, como comprovei em vários posts do ano passado e atrasado;outra, o batismo de crianças, como também esclareci em posts passados;tem que batizar adultos e convertidos; outra, a resistencia à volta à vivencia em autênticas comunidades fraternas. E ainda o clericalismo:esse é um cancer, uma praga. "É perigoso porque sem querer, padres e seminaristas são levados a reproduzir as estruturas onde entram, a se apegar ao poder até sem perceber, reduzindo sempre os leigos (pior ainda as mulheres) a um estado de infantilidade" (Oliveri).  Esses 5 pontos quase ninguém (ou ninguém) apresenta como solução renovadora. Sua adoção, a meu ver, causaria a esperada renovação na Igreja; são enormes, porém, os obstáculos para realizá-los. 

No próximo post  vou reforçar o sobredito com palavras de outro grande biblista.