IGREJA-SOCIEDADE ALTERNATIVA

A explicação do sentido desse título, está em ARQUIVO DE POSTAGENS, out. 29 de 2011

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Igreja dos pobres ou Igreja para todos? (p 93)

No último post procurei mostrar a importância essencial da comunidade de fé e de vida como absoluta e indispensável exigência do Evangelho;  e ainda,  como as comunidades cristãs primitivas foram exemplares, mesmo com falhas, nessa vivência comunitária.
Propaga-se que a chamada "opção pelos pobres" começou na Igreja a partir do Vaticano II e da Conferência dos bispos sul-americanos em Medelin na Colômbia, berço da Teologia da Libertação. Houve, no entanto, um  momento histórico precursor nos 3 primeiros séculos da era cristã.  Por ser tema desagradável dentro da nossa cultura capitalista, rareia quem fale ou escreva que, como disse John Sobrino,“ a Igreja dos pobres é a ressurreição da verdadeira Igreja.”  Urge abrir uma janela para esse horizonte meio desconhecido  (ou refugado ?) da vida cristã verdadeira, do qual a Igreja oficial anda bem distante.Vejamos se um pouco da historia  das comunidades primitivas nos ajudará a responder  o dilema:  Igreja dos pobres ou Igreja para todos?
Um dos melhores estudos em português sobre como viviam as primeiras comunidades cristãs tem  como autor Eduardo Hoornaert; é o livro  A MEMORIA DO POVO CRISTÃO, ( editora VOZES). O livro se abre  com o surpreendente título: OS MARGINALIZADOS desenvolvido em 2 sub-títulos: 1 – A consciência que os primeiros cristãos tinham de si mesmos.  (de serem marginalizados)  2 – A teologia da eleição dos marginalizados. Esse autor estará presente a seguir, em citações (aspas) e resumos.
Hoornaert  começa mostrando como a 1ª carta de São Pedro descreve a situação real do cristianismo nos anos 73-92. Ele comenta:” Os fatores sociais que condicionam esse texto... são os seguintes: no  Império Romano havia  um movimento  forte de migrações de gente sem terra, invasores e estrangeiros que não recebiam da administração pública o “status”  de cidadania, ficando condenados à situação de marginalidade sem nenhuma proteção por parte da lei.” O sentido de paroikos (em grego) paróquia,no verso 1,17,  significa a vida sem cidadania, fora da pátria,sem direitos , é o mesmo que em Efésios 2,19. “As comunidades cristãs se formaram para satisfazer a esta necessidade que era ao mesmo tempo social e espiritual face a um contexto social-político de marginalização.” Isso nos 2 primeiros séculos da era cristã. “ A situação mudou no sec. III quando a cidadania foi ampliada também para povos estrangeiros não italianos.Ora, sem terem direitos civis, os cristãos partem para uma experiência inteiramente nova: rejeitados pela sociedade, eles começam a construir dentro de minúsculos grupos uma comunicação nova, baseada na memória do  êxodo, dos  profetas, de Jesus e no dinamismo da esperança escatológica. Observada por fora, a comunidade parece fechada, isolada e secreta o que dá margem a suspeitas e suposições.Mas vivida por dentro, a comunidade faz a experiência de “uma nova terra e um novo céu”,onde mora a justiça (2Pd 3,13), um novo êxodo:”Nossa morada é no céu” (Fl 3,20)...Nós não temos aqui uma cidade permanente, mas procuramos a futura “ (Hb 13,14). O modelo cultural – entendido por todos -  era o do “ céu-terra”, mas o significado era novo e tipicamente cristão: o caráter “ êxodo” é um traço essencial deste novo significado, o que imprime a todo o movimento cristão um sentido dinâmico (escravidão –libertação) e não mais estático (“céu- terra”, no sentido anterior do mundo greco-romano).
Muitos são os exemplos que demonstram que os  primeiros cristãos usam símbolos de marginalidade para exprimir o que experimentam.(O autor cita vários).  O mesmo clima de marginalidade é vivido nas sepulturas cristãs que adotam o simbolismo da cultura dominante, dando-lhe, contudo, um significado diferente:navios, âncoras,peixes, lâmpadas.
Essa consciência de marginalidade dos cristãos é plenamente confirmada pela realidade expressa por alguns escritores pagãos  da época, numa linguagem contundente. O mais agressivo é o “Discurso  verdadeiro” do filósofo Celso, redigido em 170. Alguns trechos: “ Apareceu uma raça nova,nascida ontem,sem pátria nem tradições,voltada contra todas as instituições religiosas e civis, perseguida pela justiça, universalmente qualificada de infâmia mas se gloriando da execração comum: são os cristãos... Na opinião de Celso, os cristãos fazem tudo pelas  avessas:  preferem a loucura à sabedoria, pois “ a sabedoria lhes é um mal e a loucura um bem; a ignorância à cultura, a escravidão à boa posição social... A aversão dos cristãos contra templos, estátuas e altares é como a marca e o sinal da união secreta e misteriosa, entre eles e sua recusa em participar das cerimônias públicas repousa sobre o mesmo conceito errôneo de Deus”. A  marginalização dos cristãos tem raízes também na situação própria do judaísmo dentro do mundo  greco-romano.Os judeus foram marginalizados pela administração do Império Romano por causa do ódio que tinham do culto imperial que lhes era um sinal abominável do mais desprezível sacrilégio.
“Em vez de ficarem com complexo de inferioridade  por causa desta sua marginalização social, os cristãos nela descobriram um plano de Deus de importância soberana e passaram a elaborar uma teologia da eleição e predileção divinas pelos marginalizados, a grande teologia dos primeiros tempos cristãos... Essa teologia deitava fundas raízes na prática de Jesus, considerada “aberrante” pelos seus correligionários judeus, por ter assumido uma posição de predileção e eleição diante dos que  eram considerados marginais por todos os “ bons judeus”.
...”Eis como François Houtart, numa linguagem adaptada  ao público jovem de uma universidade européia (a Universidade  Livre de Bruxelas, na Bélgica) apresenta a pessoa e a prática de Jesus: “ Jesus de Nazaré foi um profeta proveniente de círculos  escribas e fariseus. Embora criticando-os teoricamente, ele manteve os elementos fundamentais de sua produção  ideológica, ao ponto de ser freqüentemente confundido com eles. Sua oposição à nobreza sacerdotal e leiga ( a grande burguesia), ao baixo clero e à pequena burguesia escriba ou farisaica, fez com que o lugar de produção ideológica dele não fosse o templo ou a sinagoga mas sim os caminhos da Palestina. A maior parte de sua vida de pregador ambulante desenvolveu-se na fértil e contraditória Galileia, região em que o zelotismo e os  movimentos messiânicos haviam crescido muito, como reação à exploração exercida sobre as massas rurais pelo Estado-templo e pelas tropas romanas.Embora sua classe de origem fosse a pequena burguesia artesanal, Jesus não dirigiu sua prática primordialmente no sentido dessa categoria social. Pelo contrário, sua base social era constituída pela massa marginalizada do processo de produção e pelas massas  camponesas  sem instrução,as mais exploradas...Jesus apoiava-se precisamente à  base social desprezada por seus oponentes saduceus, herodianos, fariseus e escribas. Era sobre essa mesma massa que se apoiava o movimento zelota, bem como o movimento fariseu, apesar do desprezo que votava em relação a ela” ( Houtart  F. Religião e modos de Produção Pré-capitalistas ).
Nas 24 páginas seguintes, Hoornaert  desenvolve vários aspectos dessa teologia da marginalidade, incluindo textos de escritores cristãos da época, que trabalharam o tema. Não é meu objetivo aprofundar esse aspecto  mas sim analisar como a opção pelos pobres é praticada hoje . Isso farei  como continuação, no próximo texto.