IGREJA-SOCIEDADE ALTERNATIVA

A explicação do sentido desse título, está em ARQUIVO DE POSTAGENS, out. 29 de 2011

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Igreja adaptada à cultura atual ou sociedade de contraste (p 129)

Além de comentar, tive a ousadia de tecer algumas críticas (posts de 26-11-11 a 24-12-11) ao artigo do insigne Leonardo Boff, intitulado "Onde está a verdadeira crise da Igreja?" Boff aponta como um dos sintomas da crise da Igreja romana, a defasagem dela diante da cultura contemporânea. Chega a escrever: " O cristianismo precisa se apresentar em perfeita coerência com a maneira de pensar e a forma de viver da grande maioria  das pessoas do nosso tempo". Já li coisas semelhantes em escritores igualmente respeitáveis. 

Essa teoria se contrapõe ao conceito de Igreja-sociedade alternativa, título do meu blog. Urge aprofundar o que diz o Evangelho a respeito, pois abordei de modo superficial, nos citados posts de 2011.Para começar é bom lembrar que Religião é um fato CULTURAL e o Evangelho é um fato CONTRACULTURAL. (ver post de 12/2/11)
Em Gerhard Lohfink (ver Minhas Fontes) encontro fundamentação bíblica luminosa para esse aprofundamento. Cito-o textualmente.              

“...quanto mudou a consciência eclesial na Europa ocidental em brevíssimo tempo. Ninguém mais quer ser representante de uma  ecclesiologia  gloriae. Como reação, porém, aparece uma imagem de Igreja – articulada ainda por poucos teólogos mas existente no background da consciência de um número bem maior -  exatamente contrária:  é a imagem de uma Igreja completamente inaparente e profundamente mergulhada na sociedade humana, que renuncia a sua estrutura  própria quase até a dissolução de si mesma, que se perde no mundo para  penetrar  o mundo todo. No fundo está a imagem do fermento que penetra a massa e do qual , no fim, não  resta mais nada.
...Certamente, uma parte das tendências nesta imagem de Igreja é correta e indispensável: a renúncia a qualquer triunfalismo eclesiástico; ...A ideia, que a Igreja deve mergulhar na sociedade restante até quase o abandono de si mesma, será realmente o caminho certo para mudar a sociedade? Sem dúvida os Evangelhos pensam aqui de modo bem diferente. O texto decisivo em sentido contrário é Mt 5,13-16:"


“Vós sois o sal da terra. Ora,se o sal se tornar insosso, com o que salgaremos? Para nada mais serve, senão para ser lançado fora e pisado pelos homens.Vós  sois a luz  do mundo.Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte.Nem se acende uma  lâmpada e se coloca debaixo do alqueire, mas no candelabro, e assim ela brilha para todos que estão em casa. Brilhe do mesmo modo a vossa luz diante dos homens, para que, vendo as vossas boas obras, eles glorifiquem vosso Pai que está nos céus”.

"No primeiro momento poder-se-ia pensar que o texto confirme a ideia de que a Igreja deve mergulhar tão profundamente  na sociedade que mal possa ser reconhecida. O sal não se dissolve completamente na comida ?

Mas isso significa errar totalmente o alvo apontado pela imagem....Os discípulos de quem se fala aqui e que na concepção de Mateus, significam a Igreja toda, devem estar dispostos, em todos os tempos, a salgar o mundo, isto é, fazê-lo saboroso e preservá-lo da podridão....Além disso, também a imagem da luz e da cidade se encaixam muito bem neste contexto.Na composição de Mateus ambas as imagens formam um conjunto. Não se trata de uma cidade qualquer, mas da cidade santa, de Jerusalém escatológica da qual os profetas dizem que um dia sobressairá de todas as montanhas e sua luz iluminará as nações pagãs (cf.Is 2,2-5). Às boas obras em Mt 5,16 corresponde em Is 2,3s a Tora, que sai de Sião e se torna plausível a todas as nações, porque está sendo vivida realmente em em  Israel. Em Mateus, no lugar da Tora de Sião está a ordem de vida e a ordem social do grande discurso programático que Jesus pronuncia no monte...
O sentido  é exatamente o seguinte: por sua vida segundo a vontade de Deus, os discípulos transformarão a humanidade inteira. Cada vez mais  pessoas juntar-se-ão à comunidade daqueles que se orientam pela vontade de Deus.

A Igreja aqui descrita , é tudo menos uma comunidade que gira de modo elitista, em torno de si mesma, ou se protege do mundo.  Ela é sal da terra, luz do mundo, cidade que brilha ao longe...ela vive uma ordem social plausível  para  os homens (Mt 5,16)...Ela é isso exatamente pelo fato de ela mesma não se tornar mundo ou se dissolver no mundo, mas guardar seus contornos próprios .Isto mostram não só as imagens do sal, da luz e da cidade, mas também o contexto em que está Mt 5,13-16. Este texto é precedido imediatamente pelas Bem-aventuranças, que na verdade não descrevem uma sociedade adaptada; e é seguido imediatamente pela nova Tora do povo de Deus que começa com a descrição da justiça melhor.

Lendo Mt 5,13-16   no seu contexto e a partir do pano de fundo do Antigo Testamento fica claro: a cidade luminosa sobre o monte é “cifra” da Igreja enquanto sociedade de contraste, a qual, exatamente, enquanto sociedade de contraste  transforma o mundo. Perdendo seu caráter de contraste, seu sal torna-se insosso e se ela apagar sua luz suavemente (no texto: colocar a luz debaixo do alqueire para ela se apagar), ela perde o seu sentido. Ela é desprezada pelos demais homens (no texto: pisada) e então a sociedade não é mais capaz de reconhecer a Deus (no texto: glorificar a Deus como Pai). 

...Mas sendo assim, então, uma eclesiologia somente é correta, quando mantém com firmeza que também na Igreja e nas comunidades cristãs o Reino de Deus já deveria estar presente visível, palpável e experimentável ainda que não plenamente realizado. A situação das pessoas do tempo de Jesus deveria ser a situação dos tempos de hoje:Felizes os olhos que veem o que vós vedes! Pois eu vos digo que muitos profetas e reis quiseram ver o que vós vedes, mas não viram, ouvir o que ouvis, mas não ouviram (Lc 10,23s par.Mt 13,16s)."


RECAPITULANDO

O sal e o fermento desaparecem na massa, mas a Igreja deve salgar e fermentar sem desaparecer: estar presente visível, palpável e experimentável  sem deixar de ser um grupo alternativo e de contraste com  os valores da cultura capitalista reinante. O que autoriza o G.Lohfink fazer essa interpretação ? Exatamente o CONTEXTO em que estão os tópicos sobre sal e fermento dentro de Mt 5,13-16 e nos seus arredores.
A interpretação Bíblica não pode deixar de ser contextualizada. Se for ao pé da letra, vira o que virou a Eucaristia na interpretação fundamentalista da "instituição", feita pela igreja católica.