IGREJA-SOCIEDADE ALTERNATIVA

A explicação do sentido desse título, está em ARQUIVO DE POSTAGENS, out. 29 de 2011

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Os pobres e a libertação. cont. (p 106)

Termino aqui o artigo do Pe. José Comblin, que dividí em 3 posts.

O anúncio da libertação
Jesus anunciou a libertação . Iniciou o movimento comunitário reunindo os seus discípulos que se acharam juntos no dia de Pentecostes para receber o Espírito Santo enviado por ele. Lançou o movimento. A missão dos apóstolos, dos missionários é anunciar de modo ativo, como Jesus,  mostrando o modo de proceder para construir o reino de Deus. A Igreja constitui esse povo de missionários. A Igreja existe para iniciar esse movimento de comunidade humana em todos os níveis. Para dizer melhor, a Igreja existe nesse movimento. Fora desse movimento ela não existe como Igreja de Jesus Cristo, mas somente de nome.
Historicamente a Igreja falhou e continua falhando. Os cristãos pertencem a este mundo e trazem todo um passado pagão . Custa acreditar no evangelho, mas muitos nem sequer o receberam, ainda que fossem batizados e recebessem os sacramentos. No início, Jesus não tinha criado uma religião, não tinha organizado nenhum culto, nem definido uma doutrina, nem um regime de governo, já que queria que todos fossem iguais. Mas muito cedo os discípulos que traziam em si toda a religião da sua vida anterior, sentiram uma necessidade de  fazer uma religião a partir do culto a Jesus ressuscitado. Não tinham conhecido a vida real de Jesus e aplicaram a Jesus o que tinham aprendido seja no judaísmo seja nas religiões ditas pagãs.
A religião e os pobres
Criou-se uma religião muito desenvolvida e cada vez mais formalizada. A religião  vive num mundo simbólico, consiste em formas e não em realidades materiais. Acontece que a Igreja chega a se fechar no seu mundo simbólico para viver nesse mundo simbólico que para ela é  salvação. O Deus da religião pede a paz e a tranqüilidade, mas se esquece de que os missionários são perseguidos. Se a Igreja vive em paz, é sinal de que não  anuncia, não tem por objetivo o reino de Deus mas apenas a segurança dos seus fiéis. No concreto das paróquias e das comunidades religiosas as atividades dominantes de longe são atividades simbólicas, de culto, de profissões  de fé, de construção  de um aparelho material para realizar melhor as suas atividades simbólicas. Essas atividades têm por finalidade a salvação  das almas mas não se preocupam pelo que sucede neste mundo.
Uma Igreja dedicada ao culto e ao mundo simbólico não dá atenção particular aos pobres a não ser para lhes dar esmolas, mas não  faz nem idéia sequer da sua libertação . Ela não tem interesse em ser a Igreja dos pobres porque os pobres não trazem muito poder. Ela procura ter boas relações  com o poder político, o poder econômico e o poder cultural. Ainda hoje traz as marcas do 15 séculos de cristandade quando a religião  dos povos era a religião dos reis. Todos deviam praticar a religião  do rei. E a Igreja dependia do rei. Essa colaboração entre o poder religioso e os poderes civis ainda está na mentalidade e nos projetos conscientes ou inconscientes de muitos cristãos  sobretudo do clero. O discurso é evangélico, mas a prática é o serviço a esse edifício religioso que construiu a Igreja como instituição .
As minorias abraamicas de dom Helder
Minorias salvam a honra da Igreja. Houve homens e mulheres heróicos que conseguiram despertar os cristãos  e levá-los a promover reformas sociais. Nem sempre pertenceram à Igreja de modo explícito. A Instituição  Igreja não lutou pela emancipação  dos escravos porque estava atada pelos laços com o Império e não queria emancipar-se. Não sentia que a união  estreita entre o Império ou, antes dele, com o reino de Portugal era o maior obstáculo para a vida cristã. Essa estrutura de cristandade favorecia a religião , mas desviava da missão  da Igreja que era anunciar o reino de Deus e lutar pela libertação  dos oprimidos e entre eles estavam os índios e os escravos africanos.
Há minorias que lutam pela reforma agrária e o próprio episcopado toma posição  com muita força nas suas declarações . Mas as elites sociais e as classes médias que se dizem católicas e as vezes praticam e recebem os  sacramentos regularmente, não querem saber de reforma agrária. Há cristãos  que lutam também pela libertação  das favelas e de todas as habitações insalubres, mas a massa dos católicos não se move e continua elegendo governantes que não ser dedicam a essas tarefas primordiais.
Podemos perguntar-nos se nas paróquias há realmente muito interesse em entrar nessas  lutas. Não se nota muito. Então  a nível teórico a Igreja quer reforma agrária, reforma urbana, salário justo, mas na prática nas paróquias e nas instituições  da Igreja, esses  assuntos não têm importância. Na prática a Igreja se confunde com as atividades religiosas e não está a serviço da humanidade, não  busca a sua libertação. Como fazer para conseguir a libertação  da instituição tão apegada à estrutura social estabelecida e às classes sociais dominantes ? Eis o drama.
Quem é pobre?
Os ricos sempre procuraram desviar o sentido do evangelho. Inventaram o conceito de pobreza espiritual. Pobres seriam os que não estão  apegados à riqueza, os que não se sentem ricos, os que têm sentimentos de compaixão pelos pobres. Interpretam o versículo de Mateus sobre os pobres em espírito como se o espírito fosse o imaterial,o mental, o psicológico. Mas o espírito é vento, força, tempestade como no dia de Pentecostes. Os pobres no espírito são os que são animados pelo Espírito. Não  são os pobres sentimentalmente.
Os verdadeiros pobres sabem que são pobres. Não se perguntam quem é pobre. Sabem que são pobres. Os ricos buscam subterfúgios para definir em forma complicada a pobreza de tal maneira que não se sintam denunciados como os ricos do evangelho. Se alguém duvida se é pobre ou rico, com certeza é rico porque um pobre não duvida, mas sabe muito bem o que é pobreza. Os pobres são a verdadeira Igreja, o verdadeiro povo de Deus ainda que a sua presença no sistema religioso possa ser muito fraca. Encontram-se nos grandes santuários de romarias populares. Não se encontram nas igrejas paroquiais e muitas vezes nem sequer nas capelas. Mas Jesus sabe reconhecê-los e os integra no seu corpo como o verdadeiro povo de Deus. Jesus luta pela sua libertação no meio deles.

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