IGREJA-SOCIEDADE ALTERNATIVA

A explicação do sentido desse título, está em ARQUIVO DE POSTAGENS, out. 29 de 2011

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Os pobres e a libertação. (p 104)


Comblin faleceu/ressuscitou em 28/03/2011.   O artigo que IHU On line publicou em 05/04/2011 da autoria do Comblin,  só foi conhecido após sua morte, publicado num livro lançado em 20/05/2011. O artigo tem o título original de: Os pobres e a libertação. Artigo inédito de José Comblin. Divulgo por ser pouco conhecido e pela relevância do conteúdo e principalmente do seu autor. Por ser longo, vou dividí-lo em  três posts de datas sucessivas, a partir de hoje.

"Os pobres são a verdadeira Igreja, o verdadeiro povo de Deus ainda que a sua presença no sistema religioso possa ser muito fraca. Encontram-se nos grandes santuários de romarias populares. Não se encontram nas igrejas paroquiais e muitas vezes nem sequer nas capelas. Mas Jesus sabe reconhecê-los e os integra no seu corpo como o verdadeiro povo de Deus. Jesus luta pela sua libertação no meio deles". A afirmação é do Pe. José Comblin em artigo inédito para o livro Fome de Justiça, perspecivas de superação da pobreza que será lançado na Suiça no dia 20 de maio próximo. O artigo nos foi enviado por Marianne Spiller, suiça, há muitos anos radicada no Brasil e coordenadora da Associação Brasileira de Amparo à Infância – Abai, com sede em Mandirituba-PR.
Marianne conheceu José Comblin, quando foi se solidarizar com D. Luiz Cappio, bispo de Barra - BA, em greve de fome contra a transposição do Rio São Francisco.


Eis o artigo.
A história da humanidade é a história de um conflito permanente, uma verdadeira guerra entre alguns que conseguem acumular mais poder  dominando os demais e as vítimas dominadas. Os vencedores obrigam os vencidos a trabalhar a serviço deles quando precisam deles ou os abandonam sem recursos quando não precisam mais deles. Os vencedores apropriam-se todos os recursos que estão na terra ou nos mares. Os outros  vivem daquilo que os poderosos querem deixar-lhes Esta foi a visão marxista da história. Mas não era original porque já é a visão  da Bíblia.A Bíblia fala dos pobres e dos ricos. Os pobres são os vencidos da guerra e os ricos são os vencedores. A história da América é uma figura exemplar dessa condição da humanidade.
Vida e morte
A síntese da história encontra-se no capítulo 8 do evangelho segundo João. Jesus denuncia que  os seus interlocutores que são as elites de Israel querem matá-lo porque são filhos do diabo que quer matar. Fazem a vontade do seu pai. De fato eles o mataram. Na cruz Jesus está aí como representante de toda essa parte da humanidade que é oprimida porque vencida. Jesus quer a vida. Ele vai ressuscitar e, depois de ressuscitado, leva os vencidos para a vida
Pois Jesus também foi vencido e a sua derrota envolve todas as derrotas dos vencidos. Mas a sua ressurreição envolve a ressurreição de todos os que foram mortos como ele. Viveram na terra, mas foi uma vida aparente, porque foi uma sobrevida, uma tentativa permanente para não morrer. Milhões  foram mortos cruelmente pelas armas ou pela arrogância dos vencedores. Eis a história da América que ainda continua.
A mensagem de vida
A mensagem de Jesus é o anuncio da vitoria dos vencidos, a vitória da vida que vence a morte. Nos evangelhos Jesus usa a expressão de "reino de Deus". O reino de Deus é, de acordo com o linguajar dos profetas, um reino de justiça e de paz. É o contrário  dos reinos que houve e que há e haverá na história humana. No tempo de Jesus o reino era o Império romano, um Império tremendamente cruel que concentrava todas as riquezas do Império na fortuna de alguns milhares de bilionários. Estes residiam em Roma e na região, e oprimiam 50 milhões  de vencidos por um sistema de impostos que os deixava sem força.
Jesus anuncia a ruína desse Império e de todos os Impérios. Cada um tem o seu tempo, mas eles acabam derrotados. Virá o reino de Deus. Este não virá pela conquista com as armas, ou o dinheiro. Virá pelos pobres porque a força de Deus estará com eles. Jesus não explica como será. Mas a história dos seus discípulos vai mostrar pouco a pouco como entra esse reino de Deus neste mundo. Em lugar do poder reinará a comunidade. Todos agirão  juntos e introduzirão o reino de Deus neste mundo. Que essa história será trágica, lenta, que exigirá tantos sacrifícios, vinte séculos o ensinam. Mas este reino de Deus já tem as suas manifestações  nesta terra. Sucede cada vez que os pobres conseguem direitos pela força da sua união que desafia os dominadores.
O evangelho entrou no Império romano. Ali as traduções grega e latina da palavra aramaica que significa reino, são palavras tão odiadas que os apóstolos nem sequer se atrevem a usá-la ou a aplicá-la a Deus. É impossível que Deus reine porque reinar é dominar, destruir, escravizar. Paulo como João falam da vida que veio vencer a morte. Jesus veio trazer a vida. Deus é vida. Jesus trouxe a vida. O Espírito nos dá a vida prometida por Jesus.
A vida virá pelos que não têm poder, nada podem impor, não têm armas, não têm força política. Vão conseguir vencer o poder das armas, do dinheiro, da política. Quem tem poder, somente pensa em defender ou aumentar esse poder. Quem tem dinheiro, somente pensa em conservar ou aumentar o seu dinheiro. Quem tem armas, somente pensa em fazer mais armas. Não se preocupam pelo que acontece com os vencidos. No entanto, temem os pobres, enxergam-nos como entes perigosos. Inventam forças de controle para impedir que os pobres deixem de se submeter. Apesar disso Jesus promete a vida aos pobres.
A liberdade prometida aos pobres
Os pobres de quem Jesus falava eram os camponeses sem terra que deviam trabalhar a serviço de grandes proprietários nas terras deles . Eram pescadores que muitas vezes deviam trabalhar em barcos de outros que eram os donos desses barcos. Deviam pagar-lhes uma taxa insuportável. Todos deviam pagar os impostos de Roma e os impostos do templo. A sua vida era uma vida dedicada a outros que dominavam os meios de produção. Não havia alternativa.
Para  eles o reino de Deus era libertar-se daqueles que lhes roubavam o trabalho e a vida. Era poder fazer a sua vida, eles próprios. Era poder trabalhar para si mesmos e para os seus filhos. Alguns entenderam que Jesus lhes daria essa libertação por um grande ato de violência destruindo toda a classe dos dominadores. Esperaram que Jesus fizesse o que muitos em Israel achavam que seria a obra do Messias. Não aconteceu assim. Houve discípulos desanimados com a morte de Jesus porque não tinha sido o Messias esperado por eles.

Continua no próximo post.