IGREJA-SOCIEDADE ALTERNATIVA

A explicação do sentido desse título, está em ARQUIVO DE POSTAGENS, out. 29 de 2011

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

JMJ de 2013: apoteose do infantilismo católico.(p 110)


A proximidade do Natal  trás de volta o Papai Noel . Acreditar na sua existência, para quem não é mais criança,   soa um infantilismo. A fé religiosa também tem os seus infantilismos. Muitos tem uma fé infantil: a fé adulta, não é muito comum.  É o que mostra o sociólogo italiano  Marco Marzano, autor de uma investigação publicada com o nome  “Quel che resta dei cattolici: indagine sulla crisi della chiesa in Italia” (O que resta dos católicos: investigação sobre a crise da igreja na Italia). Martino Doni o entrevista e o jornaI “ Il Manifesto”  publicou. O IHU On line  divulga para nós. Como eu vejo muitas semelhanças entre o catolicismo de lá e o de cá, achei oportuno divulgar para uma reflexão de fim de ano.
Dispenso a introdução, meio longa, que em nada altera o conteúdo;  apresento sem mais, a entrevista.
Eis a entrevista.

Comecemos do método: em Quel che resta dei cattolici, encontramos um relato acurado, a partir de dentro, de muitas experiências de fé ou de crise. Com base em que critério os vários interlocutores foram escolhidos?


Eu já tinha trabalhado nesse campo na minha investigação sobre o carismatismo e a religiosidade popular, publicada há alguns anos (Cattolicesimo magico, Ed. Bompiani, 2009). Portando, digamos que eu já tinha uma pequena rede de contatos, que depois ampliei, indo para cima e para baixo pela Itália, encontrando e entrevistando centenas de pessoas, observando muitas coisas diretamente, com os meus olhos. Em suma, fiz pesquisa do modo que me agrada: estando com as pessoas, no meio delas, não partindo de sabe-se lá qual teoria ou preconceito, mas, ao contrário, fazendo ressoar a verdade daquilo que elas têm a dizer e que, infelizmente, não dizem quase nunca, porque não ousam ou porque não sabem que podem fazê-lo. Isso me apaixona muitíssimo: a possibilidade de coletar verdades inéditas. Eu acredito que esse é o sentido do nosso ofício. Enfim, não me bastavam os questionários e as pesquisas telefônicas com as quais, em geral, são estudados os fenômenos religiosos: eu queria olhar os católicos italianos na cara.

E o que dizem os diversos interlocutores de tão terrível que não ousariam repeti-lo fora de nomes de fantasia e vidros fumês?

Eles contam a pulverização dos significados, o desmoronamento de uma estrutura, a Igreja, que hoje não sei se se mantém de pé ou não, mas sei que está dividida em duas: de um lado, há a Igreja pública, aquela que ocupa a cena midiática, aquela dos bispos e do Vaticano; de outro, há as paróquias, que sofrem terrivelmente, que se esvaziam, que, quando estão cheias, também estão muitas vezes vazias de sentido e de participação real. Muitos párocos me contam isto: quando têm que celebrar um funeral ou principalmente um casamento, eles estão mal, porque sabem que se trata, em certo sentido, de uma ficção, enquanto eles celebram a eucaristia, isto é, o sacramento principal, aquele que, para eles, dá razão ao seu ser e ao da comunidade... Se pararmos para pensar, é uma experiência dilacerante: você está fazendo o que você mais acredita, e os fiéis conversam, tiram fotos, bocejam e principalmente não acreditam em uma palavra do que você está dizendo. Para alguns, isso sempre aconteceu, mas, na era da autenticidade, esse é o sinal de uma crise muito profunda.

Talvez o dado mais alarmante que emerge da investigação é justamente essa separação entre a hierarquia dos bispos e a base dos padres e dos leigos das paróquias.

Parece-me justamente que sim. Além das igrejas mais ou menos vazias, o que eu vi foi uma Igreja afônica, a das pessoas comuns; a Igreja dos bispos é iluminada até demais por todos os tipos de faróis. Hoje, para falar de Igreja, na Itália, você tem que ser um vaticanista! Os jornalistas e os políticos se iludem de que as pessoas estão lá se perguntando, como Stalin, quantas armadas o papa tem. Mas eu penso que pouco importa aos fiéis as manobras ocultas, as intrigas... Os fiéis nem sequer lêem as encíclicas! A fé hoje, aqui e em toda parte no mundo ocidental, está cada vez mais se
privatizando. Acontece isso em todas as grandes instituições: chama-se crise do espaço público. Isso também vale para a política, a educação, aquilo que antigamente se chamava de o universo dos valores...

E as duas Igrejas nunca conversam entre si?

Eu não acredito: a hierarquia não tem vontade de ouvir, e o povo dos fiéis não sabe a quem se dirigir. O drama do catolicismo parece-me o fato de que a primeira Igreja, a da hierarquia, nem sequer precisa mais do povo, isto é, da segunda Igreja. Basta-lhe a mídia. Basta-lhe que o telejornal transmita o comunicado do representante dos bispos ou que noticie o último discurso do papa. Mas isso, repito, se verifica em toda parte, não só na Igreja: a cúpula pode alegremente ignorar a base. O mais atroz da Igreja é que a base, quase sempre, não deseja nada mais do que um aceno de consenso por parte de um bispo. Eles não sabem abrir mão disso.

Como se pode explicar esse fenômeno?

É evidente que seria necessária uma reflexão teórica mais aprofundada, mas eu tenho a sensação de que está em jogo um grande desafio educacional. A Igreja na Itália expressa uma enorme dificuldade para acolher os adultos. As Igrejas se abrem para as crianças, para os idosos, mas os adultos não estão lá, e quando estão, estão mal. O leigo católico adulto ainda precisa do placet do sacerdote, isto é, se posiciona de um modo infantil diante de uma autoridade, a do padre e da verticalidade da Igreja em geral, que por si só não tem justificação, senão as que lhe são dadas pela tradição. Eu entrevistei longamente leigos de um grupo que por um tempo teria se chamado "católico-comunista": aguerridos, capazes, cheios de vitalidade e de ideias, a melhor parte de uma comunidade. Bem, eles me confessaram esperar que o bispo, antes ou depois, acolha as suas demandas. Mas eu digo: vocês não podem fazer isso sozinhos? Por que sempre precisam do bispo?

Não se consegue crescer, enfim. No fundo, tornar-se adulto significa assumir sobre si o ônus de gerir as passagens cruciais da vida: o nascimento, as relações, a morte. Com efeito, os sacramentos tradicionais marcam os ritos de passagem comuns a todas as sociedades que conhecemos. Esse infantilismo, talvez, deve ser relacionado não só à religião, mas a todos esses momentos limiares, que cada vez mais temos dificuldades para reconhecer e compreender.

Concordo. Na minha investigação sobre a morte de câncer na Itália (Scene finali, Ed. Il Mulino, 2004), eu já pude evidenciar como o paciente se entrega nas mãos do médico como uma criança. Naquela época, eu dava um grande peso ao papel do médico nesse processo. Hoje, tendo refletido a respeito, devo admitir que o paciente põe muito de si na abdicação da própria adultidade. O mesmo poderia ser dito do casamento e do funeral: ambos os momentos em que a instituição é posta em dúvida como administração, e não mais como hóspede da passagem. Ou seja, a instituição não é mais o espaço público que acolhe e apoia os recém-chegados; ao contrário, ela é a decisora última dos destinos e das vontades dos seus adeptos. No entanto, parece-me que a Igreja está mais exposta do que outras instituições a esse tipo de infantilização do fiel. Um pouco porque o catolicismo está recaindo cada vez mais em formas públicas moderníssimas na forma e pré-conciliares na substância, aquelas que seguem o triunfalismo dos eventos midiáticos, e requer por parte dos fiéis uma participação passiva, isto é, a simples obediência (e nisso reside a matriz tridentina, reacionária, desse estilo); um pouco porque os católicos, mesmo os mais vivazes, sofrem de uma estranha síndrome, que eu chamaria de obsessão pela unidade.

Em que consiste?

A obsessão pela unidade é aquela estranha doença que leva os católicos a buscar a todo o custo o consenso da cúpula, o desejo de obter a aprovação dos andares superiores, que eu leria também como a ambição não confessada de que a própria linha se torne a universal, a única. Isso, também, se pensarmos, é um comportamento muito infantil.

O teólogo protestante 
Dietrich Bonhoeffer se referia à necessidade de tornar-se adulto na fé, isto é, livre e responsável diante, por exemplo, da morte. Talvez o que falta no catolicismo italiano seja precisamente a experiência da Reforma, que, segundo alguns, obrigou os fiéis a se virarem sozinhos, sem as garantias do clero.

Certamente, o processo de privatização que descrevemos no início fala também de uma tentativa, canhestra e problemática o quanto quisermos, mas ainda em curso, de americanização do vínculo social. Isto é, também, de uma tensão "protestante" interna ao próprio catolicismo, que testemunha por sua vez a vontade que muitos têm dizer a sua opinião sobre muitas questões, de não ceder à pressão de um poder cada vez mais distante e abstrato, de ser sujeito e protagonista das próprias escolhas e das próprias decisões. Esse também é um sinal dos tempos, como mostrou o filósofo norte-americano 
Charles Taylor, na sua monumental pesquisa sobre a era secular.
Nos tempos da Reforma, ninguém podia sequer sonhar em "escolher" qualquer coisa no campo religioso (se dizia cuius regio eius religio, não?). Hoje, ao contrário, a escolha é um momento crucial, do qual – e não por acaso – as hierarquias têm um certo temor. Quanto mais liberdade tem o indivíduo, mais evidente se torna o desmoronamento da instituição que queria administrá-lo. Mas eu gostaria de encerrar com uma nota de otimismo: eu vi essa tensão, embora um pouco em contraluz, eu vi esse crescente desejo de autonomia. Antes ou depois, o desafio será lançado, será algo enorme, cujos resultados decidirão o destino de uma das religiões mais tenazes da história. O melhor das religiões, diria Ernst Bloch, é que elas produzem hereges.

Breve comentário: Em 2013, em julho haverá no Rio de Janeiro a Jornada Mundial da Juventude. Esse evento é um exemplo cabal do que escreve o autor: “o catolicismo está recaindo cada vez mais em formas públicas moderníssimas na forma e  pré-conciliares no conteúdo (i.é, anteriores ao Vat.II) aquelas que seguem o triunfalismo dos eventos midiáticos e requer por parte dos fiéis uma participação passiva “    A JMJ, será a apoteose do infantilismo religioso católico em terras brasileiras.

Com esta postagem encerro a caminhada de 2012. Voltarei a postar depois do Carnaval. Um abençoado Natal e um 2013 pleno de ações pelo Reino de Deus