Em agosto de 2011 houve na capital da Espanha, uma Jornada Mundial da Juventude. Antes, houve outras em diferentes nações. A próxima será no Rio de Janeiro, em julho, também com a presença do papa. Não será muito diferente da de Madri. Em vista disso, acho oportuno reler as reflexões que José Maria Castillo, divulgou na época. Quase todas se aplicam também ao Brasil. O texto saiu no IHU Noticias de 16 de agosto de 2011, 1º dia da JMJ madrilenha.
Para que o papa vai à Espanha? A visão de um teólogo.
Para que o papa vai à Espanha? A visão de um teólogo.
"A Igreja pensou que a solução estava em recuperar o que lhe serviu
nas sociedades pré-industriais e pré-ilustradas. O exemplo mais claro nesse
sentido são essas concentrações massivas, que tanto foram
fomentadas pelos dois últimos papas. Porque essas concentrações não costumam
responder às preocupações espirituais mais profundas que a maioria de nós leva
em nossa intimidade secreta. Então, para que ele vem? Para prolongar o
equívoco. E confesso que meu desejo é que eu fosse o equivocado."
A análise é do teólogo espanhol José Maria
Castillo, publicada no sítio Atrio, 15-08-2011. A
tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto
.
Pode-se assegurar que o motivo dessa visita do papa a Madri não é conjuntural. Pela simples razão de que JMJ [Jornada Mundial da Juventude] estava programada
há muito tempo, talvez há anos. Essas Jornadas, que congregam jovens de meio
mundo, foram inauguradas em 1984 pelo Papa João
Paulo II e são preparadas com bastante antecedência. Sem dúvida, a visita do papa
irá agradar mais ao PP [Partido Popular] do que ao PSOE [Partido Socialista Operário Espanhol].
Mas é certo que, pelos três dias que o papa estará em Madri, o desemprego não vai diminuir, nem o prêmio de risco da nossa
maltratada economia vai melhorar, nem haverá mais trabalho para tantos milhares
de jovens desempregados, nem acredito que a convivência entre os espanhóis se
tornará, a partir agora, menos tensa e mais suportável. Por isso, me parece
pertinente a pergunta: para que o papa vem?
A JMJ nos foi apresentada
como a solução de que os jovens precisam para os seus problemas mais
preocupantes. Será realmente isso? O que ninguém põe em dúvida é que a religião
interessa cada dia menos. O abandono das práticas e das ideias religiosas, o
desprestígio da Igreja e de seus dirigentes em amplos setores da opinião
pública são fatos bem conhecidos e processos sociais que estão aumentando. Dia
após dia, se afirma o convencimento de que estamos diante de um fenômeno novo e
crescente que não tem volta atrás. Por quê?
Os "homens da religião"
costumam dizer que a causa desses fatos está na secularização da sociedade e no
relativismo das ideias que arrasaram as certezas religiosas de antigamente. No
entanto, os estudiosos que analisaram esses problemas a partir de uma
perspectiva mais ampla explicam que todo o sistema político e social, que perdura
e se apoia quase com segurança em uma ordem moral adequada que configura os
sistemas político e econômico, como esses, configura o sistema estabelecido.
Nos sistemas pré-industriais, essa ordem moral costuma adotar a forma da
religião.
Mas vê-se que, nas sociedades
industrializadas, a religião já não serve para cumprir essa função para a
maioria das pessoas. Porque, nessas sociedades avançadas, a tecnologia e a
economia funcionam de forma que, nelas, se potencializa mais a apetência do
bem-estar do que a necessidade da convivência. E, então, o que acontece com a
maioria das pessoas, sobretudo os jovens, é que a aspiração imediata ao
bem-estar material se mostra muito mais poderosa do que as promessas das
religiões, que oferecem recompensas das quais ninguém sabe com certeza nem
quando nem como chegarão.
Dessa forma, a Igreja se equivocou.
Porque pensou que a solução para esse estado de coisas estava em recuperar o
que lhe serviu nas sociedades pré-industriais e pré-ilustradas. O exemplo mais
claro nesse sentido são essas concentrações massivas, que tanto foram
fomentadas pelos dois últimos papas. Porque essas concentrações, que afirmam os
já convertidos em suas convicções, são estranhas ou escandalosas para muitas
pessoas. E não costumam responder às preocupações espirituais mais profundas
que a maioria de nós leva em nossa intimidade secreta. Então, para que ele vem?
Para prolongar o equívoco. E confesso que meu desejo é que eu fosse o
equivocado.
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