Recentemente o papa Francisco concedeu uma entrevista às Revistas da Companhia de Jesus (jesuítas); dois teólogos espanhóis de prestigio fizeram uma avaliação da conversa, cada um focalizando um aspecto:José Maria Castillo destacou a SINODALIDADE e Juan Masiá, o DISCERNIMENTO. Hoje vou me ater apenas à sinodalidade, pois é um tema muito pertinente ao objetivo deste blog, tanto que já abordei em 2012 no p 107 de 21/10 sob o título, Sinodalização da Igreja; nele defendi e encareci esse processo.
A compilação é de José Manuel Vidal, publicada pelo sítio Religion Digital. A tradução é do Cepat. A divulgação é do IHU Noticias de 24/9/2013.
De Gregório VII a Francisco
A compilação é de José Manuel Vidal, publicada pelo sítio Religion Digital. A tradução é do Cepat. A divulgação é do IHU Noticias de 24/9/2013.
De Gregório VII a Francisco
“O futuro da Igreja está na recuperação de seu passado.
O passado que nos leva diretamente ao galileu Jesus de Nazaré. Se
não partirmos por esse caminho, a Igreja não irá a lugar
algum. Se o Evangelho é o centro, o decisivo não será a
religião. O centro será a humanidade, tudo o que nos humaniza. Por isso,
o Papa é notícia mundial”, enfatiza o teólogo José
Maria Castillo .
Eis o artigo.
Tenho a impressão de que somos muitos os católicos, e muitos os
cidadãos, que ainda não nos demos conta da extraordinária importância que
implica a longa entrevista que o papa Franciscotornou pública, para
tornar conhecidas suas ideias e seus projetos.
O Papa é claro no que diz. É de enorme interesse o que Francisco afirma
sobre a moral sexual, a respeito da qual ferrenhamente o clero tanto insiste,
sobre suas ideias políticas, sobre a misericórdia e a bondade que todos nós,
seres humanos, devemos colocar em prática, sobre a religiosidade e outras
questões que seria demorado enumerar. No entanto, o assunto mais importante
tratado pelo Papa, em meu modo de ver, suspeito que escapa para
muita gente. Trata-se de que a teologia, como acontece com a biologia ou a medicina,
não está ao alcance de todo mundo. Mesmo assim, jornalistas e comentaristas,
que não se atreveriam a opinar sobre questões técnicas de biologia, avaliam
tranquilamente assuntos teológicos que exigem muitos anos de estudo e reflexão.
Porém, vamos ao assunto que interessa. Há cerca de mil anos, em 1073, foi eleito papa um monge que assumiu o nome de Gregório VII. Eram tempos ruins para a Igreja. Como se sabe, as investiduras estavam no auge. Os senhores feudais nomeavam bispos, abades, e todo tipo de cargos eclesiásticos de acordo com o seus caprichos (ou segundo suas conveniências). A Igreja estava nas mãos dos leigos, no pior sentido que esta afirmação possa ter. Foi então que Gregório VII decidiu acabar com esta situação, que era necessário e urgente. Contudo, para conseguir êxito, não lhe veio outra solução a não ser concentrar todo o poder da Igreja no papa.
O critério determinante foi formulado pelo melhor conhecedor desta história, Y.
Congar: “Obedecer a Deus significa obedecer à Igreja, e isto,
por sua vez, significa obedecer ao papa e vice-versa”. Gregório VII afixou
suas convicções num famoso documento que consistia em 27 contundentes axiomas,
que são resumidos em três critérios patéticos: 1) o papa é senhor absoluto
da Igreja; 2) o papa é senhor supremo do mundo; 3) o papa se
converte indubitavelmente em santo (H. Küng).
Ao atribuir para si estes poderes, Gregório VII encerrou
uma longa etapa de dez séculos na história da Igreja. Séculos nos
quais a Igreja floresceu, cresceu e forjou uma cultura, que o
monge Hincmaro de Reims soube sintetizar de forma admirável:
“A Igreja se expressa em plenitude nos concílios ecumênicos,
regulando sua vida histórica por meio dos sínodos em que se reúnem os bispos de
uma determinada região”. O que quer dizer que o governo ordinário da Igreja não
era gerido a partir de Roma, mas mediante os sínodos locais, que eram
presididos pelos bispos de uma região. Sempre tomando as decisões democraticamente,
com a participação de todos os membros de cada sínodo local. As nomeações de
bispos, as leis litúrgicas e canônicas, etc, eram adotadas nos sínodos.
A Igreja não
tinha uma estrutura de governo “curial”, mas “sinodal”. Somente assim eram
conhecidos os problemas que se precisava resolver, tomando-se as decisões
adequadas. Deste modo, aquela Igreja contou com uma vida
crescente, durante mil anos.
O atual bispo de Roma, o papa Francisco, acaba de anunciar a
todos que a Igreja retoma o governo sinodal. Será como aquele
do primeiro milênio? Não pode ser idêntico, contudo, pelo que foi dito pelo
papa, certamente, irá por esse caminho. Disse Francisco em sua
recente entrevista:
“Os dicastérios romanos estão a serviço do Papa e dos
bispos: têm que ajudar as Igrejas particulares e as conferências episcopais.
São instâncias de ajuda. Mas, em alguns casos, quando não são bem entendidos,
correm o risco de se converterem em organismos de censura. Impressiona ver as
denúncias de falta de ortodoxia que chegam a Roma. Penso que quem deve estudar
os casos são as conferências episcopais locais, às quais Roma pode servir de
valiosa ajuda. A verdade é que os casos são tratados melhor no próprio local.
Os dicastérios romanos são mediadores, não intermediários nem gestores.”
Esta é a ideia que Francisco tem sobre o papel que
corresponde às Congregações da Cúria Vaticana. O Papa as
coloca a serviço das Conferências Episcopais. E não ao contrário.
Todavia, a coisa não fica só nisto. O redator da entrevista relembra que
no último dia de São Pedro, 29 de junho, o papa definiu “a via da
sinodalidade” como o caminho que conduz a Igreja unida “a
crescer em harmonia com o serviço do primado. Em consequência, minha pergunta é
esta: Como conciliar harmonicamente primado petrino e sinodalidade? Que
caminhos são praticáveis, inclusive na perspectiva ecumênica?” Esta pergunta é
forte e assim que se começar a colocar em prática o projeto apontado, tudo
mudará. Porque, no fundo, o que diz é que todos nós, cristãos, sentaremos
juntos – independente da confissão de cada um – para seriamente dividirmos
nossas propostas, até chegarmos ao feliz dia de recuperação da unidade perdida.
Por isso, sem dúvida, o próprio Francisco seguiu dizendo:
“Devemos caminhar juntos: as pessoas, bispos e o Papa. Devemos
viver a sinodalidade em vários níveis. Talvez seja tempo de mudar a metodologia
do sínodo, porque a atual parece-me estática. Isto poderá também ter valor
ecumênico, especialmente com os nossos irmãos ortodoxos. Deles se pode aprender
mais sobre o sentido da colegialidade episcopal e sobre a tradição da
sinodalidade. O esforço de reflexão comum, vendo o modo como se governava
a Igreja nos primeiros séculos, antes da ruptura entre Oriente
e Ocidente, acabará dando frutos”. E o redator acrescenta estas palavras
de Francisco, palavras que precisam remover as bases da teologia:
“Temos que caminhar unidos nas diferenças: não existe outro caminho para nos
unirmos. O caminho de Jesus é esse”.
Com uma adição
final que cala a boca daqueles que vivem do protesto contra o que vem de Roma:
“É necessário ampliar os espaços de uma presença feminina mais incisiva
na Igreja. Temo a solução do “machismo de saias”... As mulheres têm
vindo a colocar perguntas profundas que devem ser tratadas... O gênio feminino
é necessário nos lugares em que se tomam as decisões importantes. O desafio
hoje é exatamente esse: refletir sobre o lugar específico da mulher,
precisamente também onde se exerce a autoridade nos vários âmbitos da Igreja”.
Este papa é notícia mundial porque assumiu seriamente o Evangelho.
E mais seriamente ainda, a centralidade de Jesusna vida. O central
não é a religião e seus ritos, nem os dogmas e suas ortodoxias. Francisco não
fala sobre nada disso. Aqui, não se escuta a monotonia da pregação clerical,
moralizante, ameaçadora e frequentemente excludente. O futuro daIgreja está
na recuperação de seu passado. O passado que nos leva diretamente ao
galileu Jesus de Nazaré. Se não partirmos por esse caminho, a Igreja não
irá a lugar algum. Se o Evangelho é o centro, o decisivo não
será a religião. O centro será a humanidade, tudo o que nos humaniza. Por isso,
o Papa é notícia mundial.
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